Por Táta Nganga Kamuxinzela
@tatakamuxinzela | @covadecipriano | @quimbandanago
Uma pergunta frequente
é como a Quimbanda vê a Lei do Retorno. Eu já havia respondido aqui no
site que essa ideia ou conceito popular que se conhece como Lei do Retorno
não pode ser confundida com a Lei de Causalidade (ou Lei de Causa e
Efeito) de Newton, porque se trata de uma construção social. Eu agora quero
explicar de outro modo.
Embora a Quimbanda seja
formada a partir de uma amalgama de traços culturais que influenciaram sua
gênese e desenvolvimento nos últimos 150 anos, o seu pano de fundo, seu
alicerce religioso, é banto. Entre os bantos existe a ideia de moyo
que significa vida, uma força vital que se encontra em um fluxo
perpétuo que ordena todo o cosmos, perpassa tudo e todos os seres, e com o qual
o homem deve se harmonizar. O moyo é a fons vitae do próprio
cosmos: por ele o sol nasce e irradia sua luz e calor sobre a terra, a
vegetação cresce e os animais nascem. Como um fluxo, o moyo
estabelece um caminho, uma rota pelo qual o homem pode seguir,
agindo em consonância com ele para tornar-se um muntu, indivíduo que
possui a força vital realizada. Esse é um termo multilinguístico que
significa ser humano dotado de vontade e inteligência. Então moyo
é responsável pela individuação do homem, considerado uma força em atividade
integrada ao conjunto de forças que ordenam o cosmos. Os yorùbás chamam
essa força vital de àṣẹ e os africanos islamizados de baraka.[1]
Como um cordão
ou uma teia de vitalidade, é o moyo que conecta os ancestrais aos
seres vivos e as futuras gerações, integrando-os ao próprio fluxo de vitalidade
que organiza o cosmos, o que permite uma dinâmica de interação e conexão entre
todos os antepassados, os vivos e os espíritos da natureza. Por conta do moyo
os bantos mensuram, portanto, tudo em quantitativos energéticos e os
impactos que as suas ações têm no cosmos: relações individuais e o
comportamento da própria sociedade. Dessa forma existe uma preocupação radical em
minimizar ao máximo o impacto negativo das ações e as reverberações que
elas produzirão. A ideia de moyo como uma teia subjacente que a
tudo conecta é interessante para entender as reverberações das ações,
que se movimentarão como ondas nessa teia, retornando ao seu
ponto de partida em algum momento.
De outro modo, permanecendo
consciente da integridade entre humano e divino por meio do moyo, ciente
da conexão indissociável entre todas as coisas através dele e que suas
ações no mundo afetarão esta teia de multirrelações que reverberarão por
toda sua estrutura, o homem sabe que suas ações resultarão em reações naturais
que em algum momento irão impactar o agente que iniciou a ação. É dessa forma
que o cosmos responde a qualquer ação que interfira no seu ordenamento natural,
obstruindo o fluxo do moyo.
Essa visão banto
quantitativa das forças que regem o cosmos e o homem na forma de moyo
influenciou profundamente o kimbanda brasileiro e sua maneira de ver a
realidade. Tudo para o kimbanda é mensurado na forma de moyo e
sua equalização, seja nas relações pessoais ou na interação com as forças da
natureza.
Para um aprofundamento
leia o texto Força Vital.
Dessa maneira o kimbanda
entende que tudo volta porque as ações humanas criam ondas que reverberam nessa
teia da vida e como tal elas retornarão em algum momento. O que ele faz
é cuidar para que suas ações não causem interferência no fluxo vital que
ordena o cosmos e caso o faça, se prepara para erigir salvaguardas mágicas que
diminuam seu impacto de retorno.