QUIMBANDA VS ENTEÓGENOS & QUIMIOGNOSE

As vertentes tradicionais de Quimbanda não fazem uso de enteógenos como a ayahuasca.

 

Por Táta Nganga Kamuxinzela

@tatakamuxinzela | @covadecipriano | @quimbandanago 

 

. I .

Contextualizando 

Eu escrevi essa nota no início desse ano como forma de
esclarecer, para àqueles que sempre buscam informação sobre o assunto, que as
vertentes tradicionais de Quimbanda, i.e. as vertentes derivadas do tronco
tradicional de Quimbanda,[1] não utilizam nenhum tipo de enteógenos,
popularizados como medicinas da floresta: ayahuasca, san pedrito, peiote,
salvia divinorum etc.
 

Existe um problema aqui que poucos consideram: a falta
total de percepção da construção do imaginário e da ancestralidade temporal de
uma vertente de Quimbanda. Porque na percepção popular, quimbanda é tudo
igual, como se costuma falar. Mas preste atenção: não é!
 

No Mundo Antigo e Antiguidade, nenhuma religião ou culto
de mistérios se esquivou das mudanças culturais de seu tempo, pelo simples
motivo de que a tradição que não se adapta ao espírito de seu tempo, acaba por
perecer. Das grandes religiões aos pequenos cultos familiares, tudo se adapta e
se transforma segundo as mudanças culturais, econômicas, políticas, jurídicas e
militares. E você acha que é diferente na Quimbanda?
 

As vertentes de Quimbanda nascem separadas por três
ondas temporais. As vertentes tradicionais nascem na primeira
onda, entre 1950 e 1970. Essas vertentes tradicionais derivam
diretamente da ancestralidade que se formou e se concentrou nas antigas
Macumbas cariocas, concentrando-se no Sudeste: Rio de Janeiro, São Paulo,
Espírito Santo e Minas Gerais. Em seguida vêm as vertentes de segunda onda,
entre 1970 e 1990. São as vertentes derivadas dos candomblés bahianos, cariocas
e paulistas, e as vertentes derivadas do batuque gaúcho. E por fim vêm as
vertentes de terceira onda, entre 2000 e 2020. Essas vertentes derivam
diretamente do Ocultismo moderno: magia cerimonial, satanismo,
luciferianismo gnóstico, qabalah hermética, thelema, magia do caos, pop
magick etc., e se espalham por todo território brasileiro.
 

O importante aqui é compreender que cada vertente de
Quimbanda dentro destas três ondas temporais, deriva de contextos
culturais, políticos, religiosos e sociais diferentes. Cada vertente de
Quimbanda, refletirá o espírito de seu tempo, construindo ao seu redor
todo seu imaginário simbólico. E aqui chegamos ao ponto: a cultura popular de
plantas de poder é contemporânea, associada ao Movimento Nova Era. É
dentro deste movimento que se classifica como espiritualista universalista,
que começa a proliferar o xamanismo urbano com rituais coletivos onde
os participantes buscam imersões visionárias enquanto deitados em um colchão,
embalados ao ritmo de flautas e tambores indígenas, mantras hindus
para Śiva e Kālī, passando por Roberto Carlos, Djavan aos hinos do Santo Daime.
De um texto que estou escrevendo sobre a gnose, que não se trata de estado
alterado de consciência, mas sim de estado alterado de conhecimento, eu teço
uma crítica:
 

De modo geral, é comum no esoterismo
moderno observarmos a associação do termo gnose ao que se
convencionou chamar de estados alterados de consciência e que, na grande
maioria das vezes, são induzidos por drogas ou substâncias enteógenas. Papus e
Stanislas de Guaita estiveram entre os primeiros magistas modernos a vincular o
uso de substâncias psicoativas as práticas da magia cerimonial. Muito embora a
utilização de psicoativos em rituais diversos tenha uma herança muito antiga na
história da religiosidade humana, é no contexto da magia moderna, a partir de
autores como Peter J. Carroll e Michael W. Ford, que gnose se tornou
sinônimo de consciência alterada por meio de drogas ou enteógenos.
 

De modo geral no esoterismo moderno, eu disse, porque é
possível ver essa associação inestética em muitos lugares: Santo Daime,
Barquinha, União do Vegetal, centros ayuhuasqueiros de xamanismo urbano, magia
do caos etc. É comum encontrarmos daimistas e ayahuasqueiros diversos do
xamanismo urbano chamando a «miração», que i. além de ser considerada o efeito
colateral do uso do chá; ii. não passa de uma ebulição de símbolos projetados
na superfície da mente, de «gnose». A «miração» é a «jornada visionária», como
se costuma escutar, derivada do termo «miragem» e, portanto, trata-se de
«ilusões vívidas» no frenesi do êxtase. O sujeito na miração vê o Mestre Irineu
entregando o seu cajado para Òṣàlá enquanto Śiva, o proto-yogīna, observa e
supervisiona. Dali o sujeito sai dizendo que compreendeu, por meio de uma
gnose, como a autoridade espiritual do Santo Daime foi dada por Mestre Irineu a
Òṣàlá que, a partir dali, é o chefe do Umbandaime, e que Śiva permite o uso da
ayuahuasca no yoga e na meditação. Entende o nível de loucura?
 

Inúmeros centros ayhuasqueiros têm eclodido pelo Brasil
por meio de «dirigentes» despreparados que têm esse tipo de «miração». É o
caso, por exemplo, da Tribo da Águia (antes de Śiva) em Juiz de Fora, onde o dirigente,
de chefe de boteco há anos, da noite para o dia se torna «um cuidador de
pessoas» após uma miração onde Śiva lhe dizia estar preparado para o trabalho
sacerdotal, lhe conferindo autoridade e autorização. Esse é Vasugupta purim…
[…] Nesse pequeno opúsculo de meditação sobre a gnose eu vou falar brevemente
primeiro sobre os profetas ayahuasqueiros e a «loucura visionária» que eles têm
insistido em chamar de «gnose», a revelia da compreensão tradicional e
soteriológica do termo.
 

São as vertentes derivadas da terceira onda, i.e. as
vertentes contemporâneas, que admitem e ministram enteógenos como a ayahuasca.
 

 

. I I .

Quimbanda, enteógenos e quimiognose

 

Posição Oficial da Família Cova de Cipriano Feiticeiro Templo de Quimbanda Maioral Exu Pantera Negra &
Pombagira Dama da Noite.
 

A todos àqueles que nos procuram buscando saber sobre o
uso de enteógenos ou a quimiognse na Quimbanda: os fatos não se preocupam com
os sentimentos das pessoas!
 

As vertentes de Quimbanda Nàgô, Mussurumin e Malê são
tradicionais! Tradicional é aquilo que se aprende, se repete, se preserva e se
transmite sem adulterações. Tradicional é aquilo que se concluiu, com o tempo e
a verificação, eficiente, adequado e apropriado.
 

As vertentes tradicionais de Quimbanda (Nàgô, Mussurumim
e Malê) não admitem uso de enteógenos para ampliação da consciência ou
desenvolvimento mediúnico. Isso é um fato!
 

De outro modo: todo o trabalho de desenvolvimento
mediúnico, a ampliação da consciência para o acoplamento total e integral do
veículo pneumático do Exu ao veículo pneumático do médium não envolve uso de
qualquer substância enteógena nas vertentes tradicionais de Quimbanda Nàgô,
Mussurumim e Malê! Isso é um fato!
 

Todo o trabalho é feito com os esforços do médium para se
desenvolver! O trabalho de desenvolvimento mediúnico nas vertentes tradicionais
de Quimbanda envolve apenas a prática dos fundamentos transmitidos pelo mestre
iniciador, o exercício da incorporação, e os sacrifícios propiciatórios a Exu e
Pombagira, que têm um profundo impacto transformador na alma do kimbanda iniciado.
Isso é um fato!
 

O uso de enteógenos na Quimbanda é contemporâneo! Isso é
um fato!
 

Nós da família Cova de Cipriano Feiticeiro não
condenamos o uso de enteógenos em qualquer manifestação religiosa, o que inclui
a Quimbanda, até porque no passado experienciamos por muitos anos o caminho dos
enteógenos e da quimiognose. Mas nos reservamos ao direito de proclamar e
propagar o nosso entendimento: o caminho da Quimbanda é àquele do transe. O
caminho das tradições que fazem uso de substâncias serotoninérgicas é àquele do
êxtase; ambos propõem padrões distintos nas sinapses cerebrais, construindo
geometrias distintas na alma!
 




[1] Para uma contextualização sobre o tronco
tradicional de Quimbanda, veja Revista Nganga No. 8,
artigo A Morte do Feiticeiro Branco na Quimbanda, por Táta Kamuxinzela.