QUIMBANDA, ASTROLOGIA, GOÉCIA & A NOVA SÍNTESE DA MAGIA
Por Táta Nganga Kamuxinzela
@tatakamuxinzela | @covadecipriano | @quimbandanago
Quando abro as caixinhas no Instagram, recebo
perguntas como essas: qual a importância da astrologia na Quimbanda?; por que a
Quimbanda só faz coisas ruins?; o Diabo da Quimbanda é o mesmo da Igreja?; qual
a relação da Quimbanda com esses cultos antigos que você fala? Eu tenho
respondido essas perguntas nos artigos da Revista Nganga e no blog do site, mas
também nos livros.
A relação da Quimbanda com os cultos da Antiguidade sobre
os quais me debruço e estabeleço pontes com a Quimbanda é escatológica: o campo
de estudo nas ciências da religião sobre as antigas e modernas sínteses da
magia, como o Orfismo e a Quimbanda, é a escatologia. Em termos simples: morte,
julgamento, céu e inferno. Essas antigas concepções religiosas moldaram a
feitiçaria dos Papiros Mágicos Gregos, dos grimórios medievais e modernos, das
tradições esotéricas contemporâneas e dos cultos afro-diaspóricos nas Américas.
A área que – pessoalmente chamo de a ciência do ritual – estrutura os passos
ritualísticos, seus mecanismos e componentes individuais, e a própria
finalidade da cerimônia mágica, é a escatologia. E o mais importante: essas
concepções moldaram ou propiciaram as percepções e as respostas do mundo dos
espíritos, i.e. a visão daemônica do Cosmos como tenho demonstrado nos volumes
do Daemonium.
A escatologia, dessa forma, é a ponte que nos possibilita
conectar a Quimbanda com os cultos ctônicos da Antiguidade. Se trata de uma
ciência, uma área de estudo religioso. É importante dar essa ênfase por conta
da grande ignorância que se opõe veemente contra o estudo, a erudição e o
exercício da inteligência em algumas vertentes e casas de Quimbanda. Ao se
depararem com a relação estabelecida entre a Quimbanda e esses cultos antigos,
eles dizem que misturamos Quimbanda com deuses gregos. Eu realmente tenho
pouquíssima paciência com indivíduos burros.
A Quimbanda é um culto ctônico. Como demonstro no
terceiro volume do Daemonium (no prelo), os cultos ctônicos, intimamente
conectados as origens da magia, já eram marginalizados no fim do período
greco-romano, associados a um antigo termo grego usado para desqualificar um
manganeumata das sombras, um feiticeiro necromante não sancionado pela religião
aristocrata dos deuses olímpicos: goēteia, i.e. goécia. A Quimbanda é a goécia
brasileira.
Quando falamos de goécia no sentido amplo do termo, quer
dizer, o trabalho de comunicação com os espíritos dos mortos e encantados da
natureza para fins de magia e mancia, i.e. divinação, é a identidade do
operador que faz a goécia ser o que é, não a natureza benigna ou maligna dos
espíritos envolvidos. Eu falo disso desde o primeiro volume do Daemonium.
Portanto, a identidade do kimbanda definirá a natureza de seu exercício de
Quimbanda, de feitiçaria com o Gangas do Culto.
O exercício da feitiçaria desde os primórdios da magia,
sempre cumpriu uma finalidade: auxiliar o homem a superar os obstáculos existenciais,
naturais ou sociais. A causa da feitiçaria sempre foi a causa do feiticeiro,
associada, portanto, a sua cosmovisão pessoal. A feitiçaria também sempre
esteve conectada aos processos de adaptação, superação e fundamentalmente, transformação,
o Solve et Coagula nos braços do Chefe Império Maioral, o Diabo, o que exige um
trabalho íntimo com a Morte e seus mistérios, o campo de estudo da escatologia.
Uma vez que é entendido que a natureza de uma casa ou
família de Quimbanda é definida pela identidade do kimbanda chefe, então
podemos entender que: caso o kimbanda conheça a magia astrológica ou astral,
ele poderá incluir este conhecimento no seu exercício particular de Quimbanda.
Eu já falei aqui em ensaios anteriores que a Quimbanda não depende da
astrologia para funcionar, mas o conhecimento da astrologia, da magia astral
propriamente dita, poderá potencializar a força da Quimbanda: é quando entramos
no campo da nova síntese da magia. Como venho demonstrando, a Quimbanda é a
filha mais bem sucedida da nova síntese da magia, porque ela associou-se à
corrente mágico-ctônica do Grimorium Verum, conectando os Exus com seus diabos,
potencializando a força e a atuação dos Exus na Quimbanda.
Um kimbanda, caso tenha conhecimento, pode escolher fazer
suas operações de magia associadas a presença da Lua nos signos do zodíaco. Mas
esse é um exemplo deveras superficial e é preciso sair da superficialidade para
ver mais fundo: o Sol e a Lua são tão importantes para a goécia – e, portanto, para
a Quimbanda – quanto para astrologia, que é geocêntrica: a Terra é o centro do
Cosmos, seu eixo na cosmovisão fundante da astrologia. Mas de igual modo, a
Terra e o Submundo são o eixo da goécia. Isso significa que a autoridade
espiritual nos cultos ctônicos, i.e. na goécia em seu sentido amplo, não vem
dos reinos celestiais superiores, i.e. dos éteres urânicos – como os anjos constritores
da magia aristocrata judaico-cristã – mas do poder inato do operador e sua
ancestralidade. E aqui entramos na formula mágica do espírito tutelar que tanto
venho demonstrando com veemência desde o primeiro volume do Daemonium. É essa arcaica
cosmovisão ctônica – que posteriormente foi sublimada pela teologia e filosofia
– que constitui o cerne da tradição ocidental da magia.