ELIPHAS LEVI & O MODERNO RENASCER DA MAGIA
Série:
Origens & Influências da Quimbanda
Por
Táta Nganga Kamuxinzela
@tatakamuxinzela
| @covadecipriano | @quimbandanago
Parte da moralidade da
história é do Século XIX […], em primeiro lugar na menção do «Magnetismo»
como uma forma de magia branca divina. Essa forma de magnetismo divino sugere
uma corrente histórica muito particular de ideias, ou seja, aquelas mais em
aliança com Jules Denis, o Barão du Potet, que por sua vez influenciaria nomes
como E. A. Waite, Eliphas Levi, Blavatsky e Mary Atwood.
Em aliança
com os mesmeristas espirituais, que com o tempo dariam origem aos espíritas
franceses e aos espiritistas anglo-americanos (dos quais toda a história do Ocultismo
contemporâneo deriva), du Potet realmente proclamou que o magnetismo era o
Espírito Divino dado ao Homem, e na verdade era uma ferramenta divina usada por
Deus no processo de criação. Isso implicou uma reestruturação e reconceitualização
de toda a magia e religião […] em relação ao uso adequado de poderes e
técnicas magnéticas, basicamente [preparando] os tijolos para muito do
pensamento mágico de Levi.
Embora seja
um desvio, isso nos oferece algumas possibilidades muito claras dos círculos
intelectuais em que esta versão específica do Livro [de São Cipriano] estava
sendo estruturada. Parece haver um claro conhecimento e preocupação com
práticas comuns de magia popular, uma visão simpática das dificuldades de
imigração portuguesa e, finalmente, uma naturalização racional da magia
adequada e divina no magnetismo e em outras ideologias derivadas [dos
ocultistas] franceses do Século XIX, muito em voga no Brasil na época e que
eventualmente dariam origem a Umbanda, Quimbanda e muitas outras coisas.[1]
Este é o segundo ensaio da
série Origens & Influências da Quimbanda. No primeiro opúsculo, As
Origens da Demonologia de Aluízio Fontenelle, dissertei sobre o pano de
fundo demonológico da Quimbanda, a nova síntese da magia promulgada por
Aluízio Fontenelle (1913-1952) na década de 1950. O texto foi escrito em
virtude das críticas dos africanistas de olhos azuis, que atribuem a Fontenelle
a criação de um sistema fantasiosamente demonológico. Pelo mesmo motivo,
à revelia dos argumentos non sense levantados por estes detratores sobre as
influências de Eliphas Levi (1810-1875) na Quimbanda, decidi escrever algumas
palavras sobre esse ocultista que foi de profunda relevância na formação das
ideias de Fontenelle sobre o modus operandi da Quimbanda, assunto que
venho tratando em meus últimos livros. Fiz questão de abrir com essa citação de
José Leitão, o mais eminente ciprianólogo português nos dias de hoje, porque
estes africanistas negam qualquer influência europeia no culto da Quimbanda,
quando, em verdade, o Ocultismo francês do fim do Séc. XIX, do qual
Eliphas Levi é quem sabe o maior expoente, estabeleceu a estrutura fundante da
Umbanda e Quimbanda, em um período onde os autores umbandistas se empenhavam em
apagar todas as raízes africanas da Umbanda, como tratei com detalhes no livro Ganga:
a Quimbanda no Renascer da Magia. A Quimbanda, o efeito colateral
deste embranquecimento, representou naquele momento o relicário que preservou,
protegeu e refinou toda magia fetichista da África. Fontenelle criou o primeiro
sistema de magia demonológica afro-brasileiro, cristalizando no imaginário da
população o Exu-Diabo. Ele foi um dos maiores
arautos dessa sistematização branca da Umbanda, elegendo para a
Quimbanda a chefia de três arquidemônios do inferno: Lúcifer, Beelzebuth e
Ashtaroth. Com isso ele colocou a ancestralidade europeia como o Norte do
culto.[2]
Nas primeiras décadas do
Séc. XX as ideias do Ocultismo francês fervilhavam no Brasil. A
Maçonaria já estava amplamente estabelecida e ser maçom era sinônimo de ser
ocultista, espiritualista, esotérico, conhecedor de mistérios arcanos e
secretos da natureza etc., porque como veremos, a maçonaria teve uma profunda
influência na eclosão do renascer da magia, inspirando muitos grupos e
ordens para-maçônicas como a O.T.O. (Ordo Templi Orientis) de Theodor
Reuss (1855-1923) e, posteriormente, de Aleister Crowley (1875-1947), criada
originalmente para conter e transmitir todos os mistérios da Maçonaria.[3]
Em detrimento disso, muitos feiticeiros, pais de santo, sacerdotes católicos e
ocultistas brasileiros pertenciam a círculos maçônicos. A Maçonaria também
influenciou profundamente as famílias de Cabula no fim do Séc. XIX, e essa
influência chegou até as Macumbas cariocas. Mesmerismo, teosofia (cristã,
maçônica e teosófica), rosacrucianismo, o satanismo literário,[4]
a realização da missa negra etc., eram correntes em voga no Brasil,
principalmente no Rio de Janeiro, até a década de 1970. Esse tantrum
mágico-cultural de correntes mágicas, místicas e filosóficas, foi demonstrado
por João do Rio (1881-1921) em suas crônicas As Religiões do Rio. É
nesse livro que pela primeira vez o nome pombagira aparece atribuído a
uma deidade brasileira feminina.
Mas todo essa
efervescência mágico-cultural no Brasil começou alguns anos antes, no renascer
da magia que ocorreu na França no fim do Séc. XIX.
O moderno renascer da
magia[5]
do fim do Séc. XIX foi um fenômeno complexo com causas generalizadas. O Romantismo
estimulou o interesse no maravilhoso, no misterioso e no desconhecido, o que,
por sua vez, criou uma receptividade cultural no mesmerismo, no espiritismo e na
magia. A Zauber-Bibliothek de Georg Konrad Horst (1821-1826) ofereceu um
estudo de seis partes sobre feitiçaria, teurgia, divinação e bruxaria. Em
meados do século, vários livros de magia haviam sido publicadas, incluindo Geschichte
der Magie de Joseph Ennemoser
(1787-1854) em 1844, traduzido para o inglês em 1854 por William Howitt
(1792-1879), que também escreveu History of the Supernatural em 1863. Na
França, Roger Gougenot des Mousseaux (1805-1876) publicou suas revelações
dramáticas como La magie au dix-neufième siècle de 1860 e Les hauts
phénomènes de la magie em 1864. O trabalho seminal do ocultista francês
Eliphas Levi se desenvolveu dentro deste ambiente.
A reputação da Maçonaria
como uma corrente mágica de sabedoria hermética foi um dos fatores mais
importantes no renascer da magia. A prevalência da teosofia maçônica de
alto grau, representada por Martinès de Pasqually (1727-1774), Jean-Baptiste
Willermoz (1730-1820) e o Conde Cagliostro (1743-1795), garantiu que a
Maçonaria pudesse ser facilmente adotada na construção de tradições esotéricas
posteriores. Ellic Howe (1910-1991), que documentou a história do Séc. XIX na
Inglaterra, demonstrou que o Ocultismo foi propagado através de inúmeras
ordens e sociedades pequenas e silenciosas. Esses grupos usaram uma variedade
de associações lendárias, incluindo mitos do antigo Egito e Ásia com uma
coloração rosicruciana. Na década de 1860, maçons ingleses fundaram uma
ordem organizada em graus ao estilo maçônico chamada Societas Rosicruciana
in Anglia, para o estudo do esoterismo ocidental. Em 1888, alguns
membros dessa ordem fundaram outra, explicitamente mágica e operativa, chamada Ordem
Hermética da Aurora Dourada (a Golden Dawn), distribuindo o
conhecimento de matérias ocultistas tradicionais em graus admitidos por
iniciação.
É possível que o
crescimento marginal da Maçonaria também tenha influenciado o reavivamento contemporâneo
do ritualismo na Igreja Anglicana, representado pelo Movimento de Oxford
de John Keble (1792-1866), Henry Newman (1801-1890) e Edward Pusey (1800-1882),
que começou na década de 1830. Contra os planos do serviço religioso anglicano,
esse reavivamento anglo-católico buscou uma experiência sensorial de adoração
cristã em rituais elaborados, sacramentos adicionais e vestimentas ricamente
bordadas. Os efeitos culturais desse movimento alcançaram influência
significativa com a adoração sacramental restaurada à devoção anglicana e ao
renascimento das ordens religiosas após meados do século. Já no fim do século,
a Ordem Hermética da Aurora Dourada e outras ordens ocultistas na França
combinaram esse gosto redescoberto pelo ritualismo com um toque artístico que
também caracterizou a cultura do fin-de-siècle na Inglaterra e na
França. O modelo ritual da Maçonaria também entraria em outros grupos
ocultistas. Depois de 1910, Annie Besant (1847-1933), sucessora de Helena
Blavatsky (1831-1891), introduziu ideias maçônicas na teosofia através
de uma ordem co-maçônica paralela. Seu colega, Charles Webster Leadbeater
(1854-1934), um ex-curador anglo-católico, abraçou a Co-Maçonaria e, em 1917,
fundou a Igreja Católica Liberal, que combinava ritualismo com ideias extraídas
do Ocultismo.
Eliphas Levi é quem sabe a
figura pioneira do renascer da magia da segunda metade do Séc. XIX,
influenciando grupos na Inglaterra, França e Alemanha. Nascido e criado em
Paris, Alphonse Louis Constant tinha uma vocação forte, embora intermitente,
para o ministério católico, mas também tinha afeição a círculos literários de socialismo
e feminisnmo. Além de seu radicalismo político, Levi era atraído por misticismo
e magia. Ele estudou a cabalá na Kabbala Denudata de Knorr von
Rosenroth (1631-1689) e leu obras de Böehme (1575-1624), Swedenborg (1688-1772),
Saint-Martin (1743-1803) e Fabre d’Olivet (1767-1825). Em 1852, Levi conheceu
Joseph Maria Hoëné Wronski (1776-1853), um imigrante polonês idoso que há muito
tempo se dedicava ao esoterismo, profecias messiânicas e era bem versado em cabalá,
Böehme e gnosticismo. Wronski renunciou ao exército russo em 1797 para estudar
na Alemanha, onde foi fortemente influenciado por Kant (1724-1804), Fichte
(1762-1814) e Scheling (1775-1854), indo para a França em 1800. Em 1803 ele experienciou
uma catarse de iluminação mística, que considerou como uma experiência direta
com o Absoluto e, posteriormente, dedicou sua vida a exposição de sua filosofia
sobre o Absoluto. Wronski atuou como um poderoso catalisador para os interesses
de Levi em magia e Ocultismo. E como Wronski unia ideias esotéricas com
expectativas revolucionárias, Levi foi fortemente atraído por sua utopia
religiosa e científica.
Levi publicou seu primeiro
trabalho sobre magia, Dogme de la haute magie (1855), seguido por seu
volume companheiro, Ritual de la haute mage (1856), e doravante usou o
nome Eliphas Levi. Essa obra, conhecida no Brasil como Dogma e Ritual de
Alta Magia, influenciou profundamente a visão mágica de Aluízio
Fontenelle sobre a Quimbanda. Seus livros posteriores Histoire de la magie
(1860) e La Clef des Grands Mystères (1861) continuaram sua síntese da tradição
ocultista. A compilação de Levi da tradição mágica ocidental foi baseada em
fontes medievais e renascentistas, conforme exposto nas obras de Trithemius (1462-1516),
Cornélio Agrippa (1486-1535) e Paracelso (1493-1541). O homem é um microcosmo
do universo. Correspondências simpáticas ligam os três mundos inteligíveis por
analogia hierárquica: o natural ou físico, o espiritual ou metafísico e o
divino ou religioso. O mago pode operar nesses vários níveis evocando entidades
e poderes por meio de feitiços, sinais, fórmulas cabalísticas e talismãs. Levi
foi inspirado pela noção de que todas as ciências ocultas haviam sido veladas
em simbolismo e alegoria, como resultado de sua perseguição e supressão no
início da era cristã. As ciências ocultas que vão do tarot à alquimia e à cabalá
foram, portanto, transmitidas em segredo e foram disponibilizadas apenas para
os iniciados. Em sua construção dessa tradição mágica sincrética, Levi também
praticou uma forma de concordância, já evidente entre os magos estudiosos
renascentistas e identificada por Antoine Faivre (1934-2021) como uma
característica extrínseca da filosofia esotérica.[6]
A exploração de Levi dos dogmas
da magia transcendental foi abrangente. Em seus dois primeiros livros, ele
discutiu os fundamentos cosmológicos da díade, tríade e tetrade nos termos
sincréticos dos pilares do templo de Salomão, polaridade sexual homem-mulher,
simbolismo gnóstico, maçônico e taoísta. Ele expõe as virtudes mágicas do
tétrado, comparando a série quádrupla de elementos mágicos e espíritos encantados.
A soberania da vontade sobre a alma física dos quatro elementos é representada
na magia ritual pelo pentagrama. Os espíritos encantados da terra, água, ar e
fogo são subservientes a esse signo quando ele é colocado em um círculo mágico
ou em uma mesa de evocações com a ponta para cima. Levi afirmou que a principal
função da magia era permitir que o mago se concentrasse e dirigisse sua
vontade. Na visão de Levi, o mago utiliza a magia ritual para manipular e
transformar as forças dentro de si mesmo, e então a partir disso agir no mundo
externo da matéria. Ele misturou as ideias do mesmerismo com sua filosofia de
magia, explicando toda a magia simpática nos termos da luz astral, o agente
mágico universal, descrito como um fluido sutil que permeia o universo com
quatro manifestações físicas (correntes ou fluxos de força): calor, luz,
eletricidade e magnetismo. Este agente mágico universal, suas correntes
de força, podem ser afetadas pela vontade e podem agir sobre a imaginação humana.
As operações mágicas fornecem acesso às correntes e impressões da luz astral,
produzindo fenômenos mágicos e a clarividência.
Capítulos sucessivos
descreveram mitologia helênica, cabalá, alquimia, astrologia, fórmulas mágicas,
filosofia, necromancia, magia negra e divinação. A originalidade particular de
Levi consistiu em atribuir correspondências esotéricas entre os vinte e dois
caminhos da Árvore da Vida e os vinte e dois principais arcanos do tarot. O
significado esotérico dos arcanos (que provavelmente se originaram na Itália por
volta do Séc. XV) foi sugerido pela primeira vez por Antoine Court de Gébelin (1725-1784),
um pastor protestante, maçom livre de alto grau e seguidor de Mesmer
(1734-1815). Ele atribuiu uma origem egípcia antiga aos arcanos do tarot em seu
Le Monde primitif (1773-1784), uma obra de nove volumes que visava
restaurar a harmonia intocada do mundo antigo através da redescoberta de uma
linguagem original e universal. Essa ideia foi abraçada por Jean-Baptiste
Alliette (1738-1791), um cartomante e ocultista que trabalhou em Paris sob o
nome de Etteilla a partir da década de 1770. Etteilla interpretou o tarot como O
Livro de Thoth, revelado por sacerdotes no antigo Egito. A conexão que Levi
estabeleceu entre a cabalá e o tarot como uma fonte de simbolismo mágico ao invés
de mera adivinhação influenciaria profundamente muitas ordens mágicas. Quase
todo o Ocultismo moderno admite o tarot como uma fonte de imagens
mágicas e propõe sua concordância com os outros sistemas de símbolos como
astrologia, alquimia e magia. Levi foi o primeiro a conectar o tarot às outras
ciências ocultas tradicionais dessa maneira.
Ele é, portanto, o
primeiro dos principais compiladores modernos do esoterismo ocidental,
cujas obras reintroduziram a magia ritual, o hermeti-smo e os magos acadêmicos
da renascença para o público educado da Europa e das Américas do Séc. XIX. Quando
Levi começou a publicar, o Ocultismo estava em uma condição moribunda; seu
trabalho formou a ponte estreita através da qual toda a tradição ocidental da
magia fluiu para dentro da era Moderna.
Em 1854, ele visitou
Londres, onde conheceu ocultistas ingleses, incluindo Sir Edward Bulwer-Lytton
(1803-1873), o autor de Zanoni (1842), que revelou amplo conhecimento
esotérico. Um ponto alto da estadia de Levi na Inglaterra foi a evocação do
espírito de Apolônio de Tyana (15-98 d.C.). Ele revisitou Londres em 1861 e,
doravante, foi elogiado como um adepto por uma geração mais jovem de ocultistas
modernos. Kenneth Mackenzie (1833-1886), o historiador maçônico, veio visitá-lo
em Paris; MacGregor Mathers (1884-1918), o cofundador da Ordem Hermética da
Aurora Dourada, o chamou de grande cabalista. Arthur Edward Waite (1857-1942)
publicou uma antologia de seus escritos em 1886 e traduziu suas principais
obras para o inglês; Aleister Crowley acreditava que ele era uma reencarnação
de Levi. Helena Blavatsky (1831-1891) traduziu seu relato da evocação de
Apolônio de Tyana e também o citou repetidamente em sua obra Ísis sem Véus.
Tal reconhecimento certamente reflete sua importância para o moderno renascer
da magia.
Antoine Faivre,[7]
um dos mais eminentes acadêmicos na área do esoterismo ocidental,
identificou Levi como a primeira grande personalidade do Ocultismo
moderno do fim do Séc. XIX. Enquanto os ocultistas do passado buscavam uma
ciência de tipo hermética, os ocultistas modernos não rejeitam o progresso
científico ou a modernidade. O triunfo prático da ciência positivista e sua
tecnologia convidou-os a sua integração como uma visão universal do Cosmos. A
pansofia do final do Renascimento ainda é evidente, mas o Ocultismo moderno
busca provas e demonstrações recorrendo a testes ou terminologias científicas:
no apogeu da magia moderna, Aleister Crowley chamou seu método de Iluminismo
Científico.[8]
Gérard Encausse (também conhecido como Papus, 1865-1916) foi um dos principais
membros do ramo reconstituído, Hermes, da Sociedade Teosófica em Paris,
fundada em 1887, editando sua própria revista L’Initiation em 1888.
Médico, investigador e experimentador, Papus publicou Traité méthodique de
science occulte (1888), o livro mais influente sobre Ocultismo desde
de Levi; fundou outras revistas esotéricas, incluindo La Voile d’Isis; e
escreveu uma série de obras médicas. Suas muitas obras ocultistas sobre cura, cabalá
e quiromancia incluíram Le Tarot des Bohémiens (1889), que elaborou a
correlação entre o tarot e a cabalá. Ele dedicou uma grande obra, La Cabala
(1892), a essa tradição secreta no Ocidente. Papus foi fortemente influenciado
por Joseph-Alexandre Saint-Yves d’Alveydre (1842-1910), autor de várias obras
sobre ocultismo e utopismo político. Papus também reviveu a Ordem Martinista,
ou melhor, a inventou com base em uma suposta cadeia de iniciação derivada de
Louis Claude de Saint-Martin (1743-1803). Como chefe da ordem, Papus fundou muitas
novas lojas em toda a Europa e América. Ele também se juntou a Ordem
Cabalística Rosa Cruz, liderada por Stanislas de Guaïta (1861-1897) e
Joséphin Péladan (1858-1918), que representavam uma vertente artística do
esoterismo aliada ao movimento simbolista neo-romântico.
Toda essa corrente de
pensamento ocultista francesa influenciou profundamente o Ocultismo
brasileiro no período em que Fontenelle estava escrevendo seus livros; e como
qualquer um pode averiguar em sua literatura, muitas ideias do Ocultismo
são tijolos na parede da Quimbanda. Por esse motivo, a Quimbanda não é apenas
um culto mágico-religioso afro-brasileiro. A Quimbanda transcende a cultura
afro-brasileira e se insere como uma arte nigromântica do Ocultismo
brasileiro.
[1] José Leitão. Opuscula
Cypriany: variation on the Book of the Saint Cyprian and Related Literature.
Hadean Press, 2019, pp. 404.
[2] Interessante notar que o Grimorium Verum, um grimório de magia
diabólica e nigromântica, cuja corrente noturna e ctoniana infundiu força e
poder na Quimbanda na síntese de Fontenelle, demonstra o fascínio europeu pelo
Novo Mundo: no Verum Ashtaroth
aparece como regente das Américas. Isso é interessante de muitas maneiras, a
julgar pelas metamorfoses hieráticas pelas quais essa deidade passou ao longo
das eras, e a própria natureza da fórmula mágica das tradições afro-diaspóricas.
A goécia é a tradição viva que subjaz a corrente mágica do Grimorium
Verum, as tradições afro-diaspóricas, e a própria magia ocidental. Sobre
isso veja Revista Nganga, No. 10.
[3] Eu fiz extensos
comentários sobre o sistema de magia sexual e a própria estrutura dos graus da O.T.O.
em vários livros, como o Rituais, Documentos
& a Magia Sexual da O.T.O., Vol. I (Clube de Autores, 2017).
[4] Referência a fugaz visão
do Romantismo sobre o Diabo e o Satanismo que despertou o interesse dos
franceses no fim do Séc. XIX. Veja Robert Ziegles. Satanism, Magic and Mysticism in Fin-de-siècle
France. Palgrave MacMillan, 2012. Veja também Humberto Maggi. O Diabo. Clube de Autores, 2022.
[5] Alguns autores preferem
utilizar o termo occult revival [o renascer do ocultismo] ao invés de magical
revival [o renascer da magia]. Ainda há àqueles que atribuem o occult
revival a Eliphas Levi e o magical revival a Arthur Edward Waite.
Não confundir com o grimoire revival [o renascer da magia dos
grimórios], que muitos atribuem a Jake Stratton-Kent (1956-2023), muito embora eu o atribua a Aluízio
Fontenelle, sessenta anos antes. Veja Revista Nganga no. 10. Veja também
o artigo no site A Quimbanda no Esoterismo Ocidental.
[6] Antoine Faivre. Access to
Western Esotecisism. Albany, 1989, pp. 12-20.
[7] Ibidem.
[8] O
Iluminismo Científico, portanto, se orienta a partir destas injunções:
·
Foco no próprio trabalho, sem julgar outras
tradições e seus praticantes.
·
Adoção de pontos de vista científicos.
·
Consciência das limitações da ciência e seu
entendimento provisório da verdade.
·
Olhar crítico sobre a tradição e seus métodos,
evitando sempre a fé cega.
·
Reconhecimento da contribuição da tradição, tomando
cada ideia como um grão de sal.
·
Cautela na mercantilização de nossas teorias e
práticas.
·
Cautela na ênfase estritamente material.
·
Somos todos estudantes. Não somos superiores ou
temos privilégios.
·
Escrutínio filosófico, teórico e prático.