A DOUTRINA DA SIMPATIA NA QUIMBANDA

A doutrina da simpatia é fundamental na Quimbanda, de modo que seu desconhecimento invalida todo o processo mágico de feitio e consagração das firmezas, oferendas e a arte de construir as moradas físicas dos Gangas, os assentamentos da Quimbanda.

 

Por Táta Nganga
Kamuxinzela

@tatakamuxinzela
| @covadecipriano | @quimbandanago
 

 

Nota: esse texto é um excerto do terceiro
volume do Daemonium: a Quimbanda & a Nova Síntese da Magia.
 

 

Operar a magia no contexto
da Quimbanda é [algo] que frequentemente chamamos de «fazer macumba», e a
macumba é realizada com a assistência de um espírito; como o ponto cantado
diz, «sem Exu não se faz nada». Antes de discutir as várias formas de macumba,
também conhecida como magia negra, é importante entender a tecnologia
espiritual por trás do trabalho da macumba.[1]

Caro Irmão
de Fé, ao escrever este pequeno trabalho, foi com o intuito de esclarecer e
ensinar aos Irmãos de Fé, diversos tipos de Magias, Feitiços, Oferendas e
Despachos, diversos Trabalhos de defesa e de ataque. Enfim procurei ensinar de
tudo um pouco sobre o Agente Mágico Universal, suas cores, seus locais
certos onde devem ser colocados seus despachos
. Torna-se necessário que se
esclareça tudo a respeito deste Povo, pois utilizado com sapiência, através
deles consegue-se verdadeiros milagres.[2]
 

 

A Quimbanda é feitiçaria, a arte de manipular
energia – as correntes de força ódica da luz astral, o Corpo do
Chefe Império Maioral – através de bases materiais, os agentes mágicos universais
apropriados ao trabalho da macumba: a cachaça, o fumo, a pólvora, os padês,
os pontos cantados e riscados, os sacrifícios de sangue, as ponteiras, o
descarrego, a pemba, o despacho, os pontos de força dos Reinos e os
próprios Gangas da Quimbanda. Por esse motivo é dito que a Quimbanda é amoral,
porque a energia, as correntes magnéticas de força ódica, não respondem
a moral, mas ao contrário disso, respondem as técnicas de manipulação. Daí que essas
correntes de força podem ser manipuladas por qualquer indivíduo que tenha
conhecimento das técnicas de manipulação e por qualquer motivo desejado. Como agentes
mágicos universais
, os Gangas da Quimbanda são mercuriais e nessas
condições, não refletem apenas a consciência do operador, mas são também um
reflexo de suas necessidades, desejos, paixões ou de suas virtudes como a força,
a honra e a vontade. Frisvold diz:
 

Dada a orientação amoral
de Exu e como esse poder tem uma capacidade mercurial de refletir o invocador, […
ele] em teoria concordará com qualquer contrato que seja oferecido, desde que a
palavra seja o vínculo e o pagamento seja dado. […] Oferecendo sangue, tabaco
e fogo como alimento e névoa corporal para esses espíritos amorais, é
teoricamente possível fazer um acordo de quid pro quo com Exu e Pombagira
em relação a qualquer coisa. [3]

 

Como menciono na introdução deste livro, essa
mecânica de trabalho com os Gangas da Quimbanda, de que eles só estão
interessados em seu pagamento para trabalhar, é herança do Grimorium Verum,
que diz: Desde que eles estejam satisfeitos com sua parte, porque esse tipo
de criatura não faz nada por nada
. [4] Frisvold continua:
 

Nessa base, operar a
macumba pode ser tão simples quanto oferecer uma garrafa de cachaça e um
charuto para fazer alguma coisa, até múltiplas oferendas de força vital para
alcançar os mesmos resultados. Depende de vários fatores, sendo um deles o tipo
de relacionamento que temos com Exu e em que premissas ele aceitou trabalhar.
Além disso, trata-se também de quão realistas são as metas estabelecidas para a
macumba. Lembremos que a magia, o trabalho de feitiços ou a macumba, na Idade
Média, era uma disciplina séria sob o título de filosofia natural; tratava-se
de compreender o funcionamento oculto da natureza. Estes segredos ocultos
consistiam em compreender como fazer algo num lugar poderia gerar efeitos
noutro lugar, nomeadamente na compreensão da ligação entre todas as coisas nos
mundos, visíveis e invisíveis, e como todas as coisas estavam ligadas.
Compreender isso levaria ao conhecimento da manipulação desses laços, daí a
magia prática, ou macumba. [5]

 

O que Frisvold se refere como a compreensão da
ligação entre todas as coisas nos mundos
, visíveis e invisíveis, e como
todas as coisas estavam ligadas
, é um dos maiores segredos pelos quais a
magia opera e recebe o nome de simpatia.[6] Wouter J. Hanegraaff sumariza sua importância da seguinte maneira:
 

Esta primeira categoria [controle]
diz respeito a práticas pelas quais se tenta ganhar algum tipo de influência ou
poder sobre a realidade. Muitas delas têm sua origem, de forma bastante
simples, no fato básico da vulnerabilidade humana: em maior ou menor medida,
todos estamos à mercê de circunstâncias externas que podem nos prejudicar de
uma forma ou de outra, e assim é bastante natural que os seres humanos reajam
tentando encontrar alguma forma de controle em um mundo ameaçador. Um exemplo
óbvio é o uso generalizado de amuletos ou talismãs para fins como proteção
pessoal contra perigos naturais, como doenças ou morte, mas também contra as
intenções maliciosas (imaginadas ou reais) de outros seres humanos. Pois, além
de as pessoas sentirem a necessidade de proteção contra danos, elas também
podem tomar a iniciativa e realmente tentar prejudicar seus inimigos, por meio
de ferramentas e técnicas semelhantes.

Claro,
infligir dano ou proteger-se contra ele é apenas uma das possíveis motivações
para se engajar em práticas de controle: por exemplo, ao longo da história,
homens e mulheres usaram encantos ou poções para fazer com que outros homens ou
mulheres se apaixonassem por eles ou consentissem em fazer sexo, mas técnicas
semelhantes também foram aplicadas a objetivos como a busca por poder ou
riqueza (por exemplo, encontrar tesouros escondidos). As explicações para o
motivo pelo qual essas práticas funcionariam variam desde causas naturais, como
poderes ocultos e as forças cósmicas de simpatia e antipatia [de Plotino], até
assistência de agentes [mágicos universais] sobrenaturais, como demônios
ou anjos.[7]

 

A doutrina da simpatia origina-se na
concepção de que o Cosmos é uma unidade, um corpo vivo do qual
Deus é a alma. Trata-se de um conceito central da magia ocidental e sua origem
pode ser egípcia. Entretanto, encontramos ideias relacionadas no pensamento
mágico de várias culturas pelo mundo. Mas como a conhecemos, à parte o próprio
termo e o seu desenvolvimento sistematizado em todos os ramos da magia
ocidental, tratou-se de um produto do pensamento grego. Foi enunciada pela
primeira vez por Parmênides (530-460 a.C.) e foi a ideia central do pensamento
de Empédocles (495-430 a.C.), bem como de importância fundamental para os
estóicos, sendo adotada e desenvolvida com entusiasmo pelos neoplatônicos. A
adoção da doutrina da simpatia pelos neoplatônicos é de particular
importância para a magia ocidental, porque no desenvolvimento da teurgia, que
influenciou profundamente o pensamento ocultista medieval e renascentista, a simpatia
era o fundamento por trás da funcionabilidade dos ritos e sacrifícios. Jâmblico
diz:
 

É mais prudente, portanto,
buscar a causa subjacente à eficácia dos sacrifícios na simpatia, afinidade e
interconexão que unem os criadores às suas criações e os geradores aos seus
deuses descendentes. Quando, sob a orientação deste princípio comum, compreendemos
que um animal ou planta que cresce na terra mantém de forma pura e simples a
intenção de seu criador, então, por seu intermédio, acionamos de maneira
apropriada a causa criadora que, sem comprometer sua pureza, governa essa
entidade. Da a multiplicidade dessas relações, algumas com fontes imediatas de
influência, como no caso dos daimones, enquanto outras ascendem além dessas,
com causas divinas, e ainda mais acima, existe a Causa única e eminente – todos
esses níveis de causas são ativados pela execução de um sacrifício perfeito;
cada nível de causa está associado ao sacrifício de acordo com o grau a ele
atribuído. Por outro lado, se o sacrifício é imperfeito, sua influência alcança
somente certo nível, sem progredir além.[8]

 

Como delineei em minha ontologia, Kalunga: Teurgia & Cabalá Crioula,[9] Jâmblico, um dos maiores hermetistas par excellence da
Antiguidade, inicia e encerra seu De Mysteriis exaltando Hermes e seus
escritos. Uma referência clara a Hermética e o sistema soteriológico
nela delineado, o hermetismo alexandrino. O que Jâmblico propõe é, de fato, um
sistema de teurgia completamente baseado na Hermética, onde encontramos
uma ideia muito clara da doutrina da simpatia.
[10] 

Na Hermética os relatos mais completos
acerca da doutrina da simpatia estão no Corpus Hermeticum (Livro
XVI
) e no Logos Teleios (também conhecido como Asclépio latino).
Segue um resumo:
 

Deus é um e o criador de todas as coisas, que
continuam a depender de Deus como elementos de uma hierarquia. Em segundo lugar
nesta hierarquia, depois do próprio Deus, vem o mundo inteligível e, em
seguida, o mundo sensível. Os poderes criativos e benéficos de Deus fluem
através dos reinos inteligíveis e sensíveis até o sol, que é o demiurgo em
torno do qual giram as oito esferas das estrelas fixas, os planetas e a terra.
Destas esferas dependem os daimones e deles depende o homem, que é um
microcosmo da criação. Assim, tudo é parte de Deus, e Deus está em tudo, e sua
atividade criativa continuando incessantemente. Todas as coisas são uma só
[11] e o pleroma do ser é indestrutível. 

Os poderes divinos que unem esta estrutura são às
vezes chamados de energias, e que também podem ser chamadas de luz.
[12] Essas energias derivam do sol, dos planetas e das estrelas, e elas operam em
todos os corpos, sejam imortais ou mortais, animados ou inanimados. São elas
que causam crescimento, decadência e sensação; e elas também são a origem das
artes e das ciências e de todas as outras atividades humanas.
 

Ao estabelecer conjuntos de correspondências
simpáticas
, ou cadeias de conexões simpáticas, os hermetistas mantêm
afinidades entre as áreas mais díspares do reino natural, de modo que cada
animal, planta, mineral ou mesmo parte do corpo humano corresponde a um planeta
específico ou a uma deidade, e podem ser usados para influenciar mudança no
reino da geração, desde que os elementos de uma cadeia simpática sejam
mutuamente solidários, de modo que os diferentes procedimentos e fórmulas
corretas sejam conhecidas.
 

Quanto aos daimones, eles são simplesmente
personificações dessas energias simpáticas, e podem ser bons ou maus,
mas são emanações, não possuindo corpo nem alma.
[13] O seu efeito sobre os seres humanos é ainda mais insidioso por isso. Eles
penetram até o âmago do corpo e tentam submeter o homem à sua vontade. Esta,
expressa figurativamente, é a doutrina crucial do destino (
fatum), e que
desempenhou um papel tão importante na consciência do homem da Antiguidade tardia.
A
Hermética estabelece estreita ligação entre o destino e as estrelas,
pois era do conhecimento dos hermetistas que todas as forças e energias de que
acabamos de falar, e às quais toda a criação sublunar estava sujeita, derivavam
diretamente dos corpos celestes.
A derrubada de reis, a insurreição de
cidades, fomes, pragas, as flutuações repentinas do mar e terremotos, nada
disso ocorre… sem a ação dos decanatos
.[14] Em suma, a compreensão dos hermetistas sobre a simpatia estava
intimamente ligada à sua
demonologia e astrologia; e está também
subjacente à espiritualidade filosófica do hermetismo posterior, com a sua
insistência na necessidade de a alma transcender o destino
[15] antes de poder unir-se a Deus. Jake Stratton-Kent resume da seguinte maneira: 

O Universo, de acordo com a
doutrina da simpatia, é uma unidade. Os gregos reconheceram que este ser
[Universo-Um] era composto de partes, sejam elas denominadas elementos,
princípios ou raízes. Todas as coisas dentro do Um eram compostas de diferentes
combinações dessas raízes, sejam elas números, deuses, animais, plantas ou
pedras, lugares, climas ou qualquer coisa, sua essência era definida por essas
qualidades inerentes. Além disso, na medida em que quaisquer duas coisas se
assemelhavam através de qualidades partilhadas, elas eram atrativas uma para a
outra, independentemente das suas posições relativas no espaço. Isto é afirmado
claramente tanto por Plotino quanto por Jâmblico: o Universo é um ser, suas
partes separadas pelo espaço, mas através da posse de uma natureza [as partes] são
rapidamente unidas em a atração uma pela outra
.[16]

 

Esta concepção foi originalmente baseada nos
quatro elementos e nos princípios da atração e repulsão, dependentes de
qualidades semelhantes e diferentes. Esses quatro elementos não devem ser
confundidos com as noções modernas pelas quais são entendidos; é mais fácil
compreendê-los como estados de matéria. Assim, a terra não se parece
apenas com solo, mas com as qualidades inerentes dos sólidos; a água, de
igual modo, com as qualidades inerentes dos líquidos; o ar com os gases
e o fogo com os plasmas.
 

Os elementos representavam, portanto, a
experiência subjetiva de uma determinada coisa, suas características e
comportamento, ao invés de seus constituintes químicos objetivos. Com o passar
do tempo essa classificação foi sistematizada: o fogo é quente e seco; a terra é
seca e fria; a água é fria e úmida; o ar é quente e úmido. O fogo, portanto,
compartilha a qualidade do calor com o ar, e a qualidade da secura com a terra.
Por falta de qualquer qualidade compartilhada, o fogo é antipático à água.
 

Assim, as oferendas e sacrifícios da teurgia (e
religião grega de modo geral), incluíam materiais simpáticos aos deuses e daimones
na intenção de atraí-los com eficiência. Jâmblico diz:
 

Para cada parcela que
compõe o cosmos, há, de um lado, o corpo manifesto que vislumbramos e, de
outro, as múltiplas forças incorpóreas que se associam a tais corpos. À luz
dessa concepção, o sagrado culto teúrgico guia-se pelo princípio de sacrificar
de acordo com a relação do semelhante com o semelhante, estendendo esse
critério do ápice até o nível mais ínfimo, […] concedendo a cada uma a
oferenda que esteja em harmonia com sua própria natureza.[17]

 

E novamente: 

Alicerçando-se nessa
constatação, bem como descobrindo, por meio das propriedades de cada um dos
deuses, os receptáculos que lhes são apropriados, a arte teúrgica reúne, em
muitos casos, pedras, plantas, animais, substâncias aromáticas e inúmeras
outras criaturas sagradas, perfeitas e divinas, e com tudo isso, forma um
receptáculo integral puro. Portanto, não é correto recusar e desprezar toda
matéria, mas apenas àquela que é estranha e desvinculada dos deuses.[18]

 

No que concerne a teurgia – que influenciou o
pensamento ocultista da magia ocidental a partir do Medievo e Renascimento – a simpatia
trata-se do elo mediador através do qual naturezas semelhantes se atraem, posto
que Proclo (412-485 d.C.) diz:
 

Os especialistas nos
assuntos sagrados, começando com a Simpatia conectando as coisas visíveis umas
com as outras e com os Poderes Invisíveis, e tendo um entendimento de que todas
as coisas podem ser encontradas em todas as coisas, estabeleceram a Ciência
Sagrada. […] Em suma, os homens sábios da antiguidade trouxeram, juntos,
[…] os Poderes Divinos para esse lugar mortal, tendo-os atraído pela
Similaridade: pois a Similaridade é poderosa, permitindo unir as coisas umas às
outras. Por exemplo, se um pavio que foi aquecido de antemão é colocado sob uma
lamparina, não muito longe da chama, você perceberá isso acendendo mesmo sem
ser tocado pela chama, pois a transmissão da chama ocorre para baixo. Por
analogia, você pode considerar que o calor já existente no pavio corresponde à
Simpatia entre as coisas, e isso sendo trazido e colocado abaixo da chama corresponde
à Arte Sagrada fazendo uso de coisas materiais no momento certo e da maneira
correta. A transmissão da chama é como a presença da Luz Divina com aqueles
capacitados a participarem dela e a iluminação do pavio é análoga tanto da
deificação dos mortais quanto da iluminação de substâncias materiais.[19]

 

Ruan Carlos de Sena sumariza assim: 

Dentre os variados
símbolos materiais que compõem a cadeia (seirai) solar, encontram-se
exemplares notáveis, tais como a pedra-do-sol, a flor de lótus, o girassol,
além de penas de galo e outras representações. Com efeito, a pedra-do-sol exibe
de maneira majestosa a reverberação dos raios solares emanados pelo fulgurante
astro-rei, ao passo que a flor de lótus, desvelando-se em graciosos
desdobramentos e recolhimentos de suas pétalas, compõe, solenemente, hinos de
louvor ao Sol, tal qual o galo, em todas as auroras, entoa cânticos e odes à
entidade solar. Por outro lado, dentre os símbolos que emanam uma aura lunar, o
destaque é, certamente, conferido à selenita, a certas ervas e, quiçá, ao
próprio sangue menstrual. Pois, como proclama Proclo, a selenita, ao sabor das
fases lunares, altera «tanto suas marcações quanto suas formas e padrões»,
alinhando-se com os ritmos cósmicos da lua. Acresce ainda mencionar que as
seivas de determinadas ervas sucumbem, inegavelmente, à sutil influência
gravitacional exercida pela lua, ensejando, dessa forma, uma seleção mais
criteriosa de variedades particularmente aptas ao cultivo durante o período de
lua crescente. E, ademais, os ciclos menstruais, ainda que desprovidos de uma
conexão causal direta com os ciclos lunares, manifestam-se de forma análoga às
ciclicidades da lua.[20]

 

Esta aplicação da simpatia, tal como interpretada
pelos neoplatônicos, deu à magia ocidental a doutrina das correspondências. A classificação
elemental original também passou por modificações e novos desenvolvimentos no Ocultismo
moderno. Ela foi ampliada e diversificada em símbolos planetários e zodiacais.
No entanto, o simbolismo elemental ainda é a base das classificações mais
complexas, que geralmente podem ser reduzidas a termos mais simples, como é o
caso da classificação dos grãos, favas, miúdos, frutas, partes de animais e
inúmeros elementos associados aos Gangas da Quimbanda, como veremos ainda neste
capítulo nas diversas combinações de elementos no feitio dos padês.
 

A manipulação das correntes de força
ódica
na Quimbanda através dos diversos agentes mágicos universais está
diretamente associada a doutrina da simpatia. Esse termo, força ódica,
foi cunhado como sinônimo de energia vital (o moyo dos bantos ou àṣẹ
dos yorùbás) em meados do Séc. XIX pelo Barão Carl von Reichenbach
(1788-1869), que buscou demonstrar que se tratava da natureza dos mesmos
fenômenos demonstrados anteriormente por Franz Anton Mesmer com o magnetismo
animal
. Eliphas Levi posteriormente postulou que a força ódica se
manifesta como correntes ou fluxos de força (energia) polarizada dentro da Luz
Astral
, que é a própria Alma do Mundo platônica. Aluísio Fontenelle foi o
ocultista brasileiro que trouxe esses conceitos para dentro da Quimbanda na
síntese que estabeleceu e deu forma ao culto, estruturando o ambiente mágico da
Quimbanda por meio da interação equilibrada da força ódica.
 

Como veremos com mais detalhes no Capítulo 15, a
Quimbanda opera por meio da interação e do equilíbrio das forças ódicas
positiva (ativa, masculina) e negativa (receptiva, feminina) no corpo do Chefe Império Maioral, a luz astral. É através de agentes mágicos universais, os Exus (que
representam a potência ativa-masculina), e as Pombagiras (que representam a
potência receptiva-feminina), que as forças ódicas são manipuladas para
realização do milagre da magia. O equilíbrio dessas forças que hora se opõem e
hora se congruem, está em Maioral, a potência andrógena que as aglutina e as
manipula.
[21] 

É a manipulação de energia (feitiçaria), esses
vetores ou correntes de força ódica, que propicia a criação do
ato mágico na Quimbanda. No início desse capítulo menciono que quatro são os
passos fundamentais para o conhecimento e conversação com o espírito
tutelar, neste caso, um Ganga da Quimbanda: i. estabelecer uma comunicação
adequada; ii. feitio apropriado das oferendas e sacrifícios; iii. a construção
do corpo físico do espírito; iv. operar a magia segundo a natureza
peculiar do espírito. Na próxima seção iremos nos debruçar sobre o ponto ii: o feitio
apropriado das oferendas e sacrifícios, para os quais a doutrina da simpatia
é fundamental.


[1] Nicholaj
de Mattos Frisvold. Seven Crossroads of Night: Quimbanda in Theory and
Practice
. Hadean Press, 2023, pp. 105.

[2] N.A.
Molina. Saravá Exu. Editora Espiritualista, 3ª Edição, pp. 15, sem
data.

[3] Nicholaj
de Mattos Frisvold. Seven Crossroads of Night: Quimbanda in Theory and
Practice
. Hadean Press, 2023, pp. 106.

[4] Grimorium
Verum,
1817. Tradução em Humberto Maggi. Thesaurus Magicus,
Vol. I. Clube de Autores, 2010, pp. 438.

[5] Nicholaj
de Mattos Frisvold. Seven Crossroads of Night: Quimbanda in Theory and
Practice
. Hadean Press, 2023, pp. 107.

[6] A
noção de que mesmo as partes mais remotas do universo podem corresponder umas
às outras através de uma espécie de simpatia secreta, baseada em sua semelhança
ou semelhança inerente (similitudo), é extremamente difundida e foi
destacada por Antoine Faivre (1934-2021) como a primeira característica
intrínseca do esoterismo ocidental. Veja Parte III.

[7] Wouter
J. Hanegraaff. Western Esotericism: A Guide for the Perplexed.
Bloom Sbury, 2013, pp. 106.

[8] Jâmblico. De
Mysteriis
. Livro V, Verso 9. Polar, 2024, pp. 283. Essa passagem de
Jâmblico por si só resume toda doutrina da simpatia. Sem delongas: semelhante
atrai semelhante. A ritualística eficaz se realiza quando as oferendas e
sacrifícios são semelhantes, simbolicamente, às características divinas. O
girassol e o galo participam, por exemplo, da simpatia dinâmica dos deuses
daimones solares. De igual modo na Quimbanda, ervas e
animais adequados aos Gangas, em simpatia dinâmica com eles, são àquelas
espinhosas, ácidas, quentes, ardidas, nervosas, picantes etc.

[9] No
prelo. A ser publicada em breve.

[10] Para
uma introdução concisa na relação que se estabelece entre a Hermética e
a teurgia neoplatônica de Jâmblico, veja Kalunga: Teurgia & Cabalá
Crioula
. No prelo.

[11] Veja Corpus
Hermeticum
, XII: 8; XIII:17-18; XVI:3.

[12] Veja Corpus
Hermeticum
, XVI: 5; Logos Teleios, 19.

[13] Veja Corpus
Hermeticum
, XII: 21; XVI:10-16.

[14] Veja Corpus
Hermeticum
, XVI: 17-18; Logos Teleios, 3.

[15] Veja Kalunga:
Teurgia & Cabalá Crioula.
 No prelo.

[16] Jake
Stratton-Kent. Geosophia: The Argo of Magic. Vol. II. Scarlet
Imprint, 2021, pp. 35.

[17] Jâmblico. De
Mysteriis
. Livro V, Verso 20. Polar, 2024, pp. 299.

[18] Jâmblico. De
Mysteriis
. Livro V, Verso 23. Polar, 2024, pp. 305. Essa passagem é
uma referência de Jâmblico a telestikē, i.e. o feitio e consagração
das estátuas animadas. O tema central da minha ontologia Kalunga:
Teurgia & Cabalá Crioula
 (no prelo) é a universalidade das
técnicas de magia e feitiçaria, onde estabeleço relações entre a telestikē da Hermética e
teurgia neoplatônica, com as tecnologias mágicas de firmezas e assentamentos da
Quimbanda. A doutrina da simpatia é fundamental em ambos os
casos, de modo que seu desconhecimento invalida todo o processo mágico de
feitio e consagração tanto das estátuas animadas da teurgia
quanto das firmezas e assentamentos da
Quimbanda.

[19] Proclo. Sobre
a arte hierática
. Citação em: Jâmblico. De Mysteriis. Polar,
2024, pp. 45.

[20] Rua
Carlos de Sena. Introdução em: Jâmblico. De Mysteriis. Polar, 2024,
pp. 47.

[21] Em
sua concepção mítica, a partir da demonologia do Grimorium Verum,
essas forças polarizadas são representadas como provenientes de uma fonte:
Lúcifer, uma potência andrógena, que projeta duas forças polarizadas,
Beelzebuth (a corrente solar masculina) e Ashtaroth (a corrente lunar
feminina). Veja Capítulo 15 abaixo.