OS SEGREDOS DO DIABO

5 Aforismos de Táta Kamuxinzela concernentes aos Segredos e Mistérios da Quimbanda.

Aforismos
de Táta Kamuxinzela concernentes aos 
Segredos & Mistérios da Quimbanda

 

 Por
Táta Nganga Kamuxinzela

@tatakamuxinzela
| @tatangangakamuxinzela | @goeteia.com.br

1. OS REINOS DA QUIMBANDA 

A cosmogonia da Quimbanda Nàgô descreve a
criação do mundo de forma simbólica, com base em nove reinos que representam as
forças e os ciclos essenciais da existência. Diferente do Candomblé, a
Quimbanda foca em reinos metafísicos que estruturam a realidade espiritual e
material, sem a adoração direta a um ser criador.
 

Resumo dos conceitos fundamentais: 

1.      Nzambi-mpungu: Um ser supremo invisível
que cria o mundo, mas não interage diretamente com ele, sendo venerado apenas
indiretamente. A Quimbanda não cultua diretamente esse ser.

2.      Nove Reinos da Quimbanda:

o    Reino da Terra: Representa a formação
inicial do planeta como uma esfera incandescente que se resfria e solidifica.

o    Reino das Águas: Surge quando a Terra
resfriada cria vapor e precipitação, formando corpos d’água.

o    Reino das Matas: Desenvolve-se com o
surgimento da flora e fauna, estabelecendo a base para a vida.

o    Reino Africano: Relaciona-se com o
surgimento do homem no continente africano e sua conexão com as matas.

o    Reino das Almas: O homem passa a ter
contato com seus ancestrais e espíritos, criando a conexão com o plano
espiritual.

o    Reino das Encruzilhadas: Simboliza as escolhas e
a expansão dos caminhos humanos.

o    Reino do Oriente: Representa o aprendizado
e a expansão da humanidade por meio de comércio e trocas culturais.

o    Reino das Trevas: Reflete a compreensão do
homem sobre o uso da feitiçaria para defesa e ataque.

o    Reino da Lira: Surge com a organização
social, cultura, arte e filosofia, representando a vida urbana e boêmia.

3.      Interação entre homens e
espíritos
:
As almas ocupam diferentes reinos, refletindo suas naturezas, e se comunicam
com os vivos, oferecendo proteção e orientação.

4.      Aspecto Filosófico e
Evolutivo
:
A cosmogonia na Quimbanda Nàgô é mais filosófica, centrada na evolução
humana e na interação espiritual do que nas forças da natureza.

5.      Naturezas específicas dos
espíritos
:
Cada reino abriga entidades com características próprias, como Exus nas matas,
encantados aquáticos nas águas, e espíritos do cemitério no Reino das Almas.
 

Essa cosmogonia reflete uma visão simbólica da
criação que integra evolução, vida espiritual, e os desafios humanos ao longo
do tempo, formando a base para os rituais e práticas da Quimbanda.
 

1.1. Os Nove Reinos 

O Reino da Terra, o primeiro dos nove reinos da Quimbanda
Nàgô
, simboliza a base material de toda a existência e representa as forças
telúricas e ancestrais da criação. Neste reino, os Exus e Pombagiras que agem
como intermediários espirituais da natureza são divididos em Povos, cada um com
uma relação específica com os elementos da Terra, como rochas, montanhas, fogo
e minerais. É também um reino associado ao fortalecimento da saúde física,
raízes ancestrais e prosperidade material.
 

Principais Povos do Reino da Terra: 

1.      Povo da Terra: Ligado às raízes e
ancestralidade, com destaque para os Pretos-Velhos, conselheiros e curandeiros
com sabedoria tradicional.

2.      Povo dos Vulcões: Relaciona-se ao magma e
ao poder formador e destrutivo dos vulcões, simbolizando criação e
transformação.

3.      Povo do Lodo: Representa a origem da
vida no lodo primordial, bem como a estagnação, podendo paralisar ou nutrir.

4.      Povo do Pó: Liga-se aos minérios e
ervas reduzidos a pó, usados em encantamentos e rituais.

5.      Povo do Fogo: Associa-se ao espírito,
iluminação e clareza, sendo o mais etéreo deste reino.

6.      Povo das Montanhas: Reflete a conexão com o
divino, representando locais sagrados de elevação espiritual.

7.      Povo das Minas: Conecta-se ao submundo,
à escuridão e às riquezas da terra, sendo um portal para o contato com mortos.

8.      Povo da Lomba: Representa ascensão e
descenso, ligando-se aos montes de terra que facilitam um breve encontro
espiritual.

9.      Povo das Pedras: Inclui todos os
espíritos ligados às rochas e cristais, simbolizando a firmeza e durabilidade
da criação.
 

Cada povo manifesta aspectos do mundo físico e
espiritual, orientando a prática mágica e a busca por força e sabedoria na
Quimbanda.
 

O Reino das Águas na Quimbanda Nàgô
simboliza a criação, as emoções e o subconsciente humano. Após a formação do
planeta, a precipitação e a criação dos corpos aquáticos (mares, rios, lagos e
oceanos) estabeleceram este reino, que abrange energias de nutrição,
transformação e perigos ocultos.
 

Principais Povos do Reino das Águas: 

1.      Povo do Mar: Ligado à origem da vida,
com Exus como o Exu Marinho, que representam as transformações emocionais e
fluxos da vida.

2.      Povo dos Rios: Atua no comércio e fluxo
emocional, com entidades como o Exu dos Rios, associado à serpente e à magia.

3.      Povo das Cachoeiras: Representa mudanças
rápidas e limpezas emocionais, incluindo Exus como Exu 7 Cachoeiras.

4.      Povo das Ondas: Ativo nas marés e no
fluxo entre mar e praia, com o Exu 7 Ondas.

5.      Povo da Chuva: Representa recomeços e a
sabedoria ancestral, com entidades como o Exu dos Ventos.

6.      Povo das Profundezas: Relacionado a medos e
mistérios nas regiões abissais, com o Exu Calunga e a Pombagira Calunga.

7.      Povo da Praia: Marca o limiar entre
vivos e mortos, com uma forte presença de Pombagiras.

8.      Povo dos Marinheiros: Espíritos de caiçaras,
pescadores e marinheiros que navegaram os mares em vida.

9.      Povo da Ilha: Representado por Exus
alegres e profundos, como o Exu do Coco e Exu Baiano, associados a práticas
festivas e magia.
 

Cada povo do Reino das Águas lida com diferentes
aspectos emocionais e espirituais, reforçando o papel da água como elemento de
criação e transformação na cosmogonia da Quimbanda.
 

O Reino das Matas, na Quimbanda, representa a
origem da vida a partir da água e da vegetação, e compreende todos os
ecossistemas vegetais, como florestas e pântanos. Associado ao desenvolvimento
de organismos vivos, este reino simboliza sabedoria, cura, prosperidade,
harmonia com a natureza e, também, a morte, já que a floresta serve de lar para
a vida e a decomposição natural. A presença das cores preto e verde simboliza o
equilíbrio entre vida e morte.
 

Principais Povos do Reino das Matas: 

1.      Povo das Árvores: Representa as árvores
sagradas, como a Jurema, vistas como moradas espirituais.

2.      Povo dos Parques: Atua nos espaços verdes
urbanos, preservando o espírito da floresta nas cidades.

3.      Povo das Matas de Praia: Conecta energias
aquáticas e da floresta, representando antigas tribos litorâneas.

4.      Povo das Serras: Reflete a continuidade
da floresta nas montanhas.

5.      Povo das Cobras: Relacionado à cura,
sabedoria e venenos das serpentes.

6.      Povo das Panteras: Composto por guerreiros
e xamãs, simbolizando a conexão com os felinos e a natureza selvagem.

7.      Povo das Flores: Associado às fragrâncias
e filtros de amor, domínio do Exu do Cheiro.

8.      Povo das Raízes: Representa a nutrição
profunda e a vitalidade da terra.

9.      Povo das Campinas: Encabeçado por Caboclos
Kimbandas, representa a abertura de espaços para comunidades.
 

Este reino traz uma conexão profunda com a
natureza, onde os espíritos das matas são guias e alquimistas. Dotados de
sabedoria e ferocidade, esses espíritos ensinam sobre sobrevivência e coragem e
promovem a criação de poções e encantamentos. A influência do Reino das Trevas
confere a este reino um aspecto sombrio, desafiando aqueles que o exploram e
reforçando o respeito pela complexidade da vida natural.
 

O Reino Africano representa a ascensão da
humanidade, simbolizando o surgimento dos primeiros seres humanos no continente
africano e o desenvolvimento de habilidades para manipular e adaptar a
natureza. Este reino reflete o respeito e a preservação dos saberes ancestrais
africanos, sendo fundamental na estrutura espiritual da Quimbanda. Suas cores
são o preto, verde e vermelho, simbolizando a conexão com a ancestralidade e a
resistência.
 

Principais Povos do Reino Africano: 

1.      Povo do Cativeiro: Espíritos de
escravizados que pereceram em cativeiro, guardiões da sabedoria e feitiçaria.

2.      Povo do Quilombo: Espíritos de
escravizados que alcançaram a liberdade e morreram nos quilombos, representando
a ancestralidade das comunidades.

3.      Povo dos Guerreiros: Inclui guerreiros e
soldados de várias etnias africanas, espíritos focados em proteção e combate.

4.      Povo de Ganga: Feiticeiros e sacerdotes
que manipulavam magia e se comunicavam com divindades ancestrais.

5.      Povo Mossurumim: Negros islamizados que
combinavam práticas islâmicas com feitiçaria tradicional.

6.      Povo de Angola e Povo do
Congo
:
Ligados ao uso de feitiçaria e tradições de defesa mágica, sendo o Povo do
Congo mais agressivo.

7.      Povo do Daomé: Focado em práticas vodu
e forte conexão com a ancestralidade, como os Voduns e a linhagem de Agassu.

8.      Povo Nàgô: Representantes da
cultura yorùbá, conhecidos pelo culto ao Òrìṣà Exu e pela criação
de fetiches e assentamentos sagrados.
 

Este reino simboliza a importância das práticas
ancestrais na Quimbanda e na preservação das culturas afro-brasileiras,
destacando a riqueza espiritual e a diversidade de povos que compõem suas
bases.
 

O Reino das Almas na Quimbanda é o espaço dedicado
à conexão entre o plano físico e o espiritual, simbolizando o aprendizado
humano sobre a continuidade da vida além da morte. Este reino honra os
ancestrais e o culto familiar, proporcionando cura espiritual e fortalecimento
das raízes. Regido por figuras como Exu Rei das Almas e Pombagira Rainha das
Almas, o reino se liga à sabedoria ancestral e à superação dos medos.
 

Principais Povos do Reino das Almas: 

1.      Povo das Almas: Espíritos antigos e
libertos que ajudam na cura e aconselhamento espiritual.

2.      Povo dos Cruzeiros: Guardiões dos cruzeiros,
portais entre o mundo espiritual e o material.

3.      Povo dos Caveiras: Espíritos relacionados à
morte e à transformação, regidos por Exu Caveira.

4.      Povo das Tumbas: Conectados à memória dos
mortos e ao culto ancestral.

5.      Povo das Covas: Representantes da
putrefação e transformação da matéria.

6.      Povo do Cemitério: Espíritos do cemitério
que auxiliam em diferentes demandas espirituais.

7.      Povo da Calunga: Regentes dos espaços do
além, abrangendo o abismo e o oceano profundo.

8.      Povo dos Templos: Espíritos ligados a
lugares de culto e espiritualidade, como igrejas e santuários.

9.      Povo dos Hospitais: Almas que promovem cura
e sustentam locais de restauração física e espiritual.
 

Este reino enfatiza o respeito aos espíritos
ancestrais e à transição da alma, conectando a vida e a morte num fluxo
contínuo de aprendizado e transformação.
 

O Reino das Encruzilhadas na Quimbanda simboliza
os pontos de encontro e transição, onde diversos caminhos e possibilidades se
cruzam. Representado pelas figuras de Exu e Pombagira, ele rege a comunicação,
o movimento e a abertura de caminhos. As encruzilhadas são espaços de limbo,
nem pertencentes a um lado nem ao outro, sendo lugares ideais para pactos e
oferendas espirituais.
 

Principais Povos do Reino das
Encruzilhadas:
 

1.      Povo das Encruzilhadas das
Ruas
:
Conectados às encruzilhadas urbanas, associados aos pactos e ao convívio
humano.

2.      Povo das Encruzilhadas de
Lira
:
Presentes em áreas noturnas e boêmias, como ruas com bares e teatros.

3.      Povo das Encruzilhadas da
Lomba
:
Associados a lugares elevados, como montanhas e colinas.

4.      Povo das Encruzilhadas dos
Trilhos
:
Ligados aos caminhos rápidos e estradas de ferro.

5.      Povo das Encruzilhadas da
Mata
:
Habitam encruzilhadas em áreas florestais, representados por caboclos e Exus
das matas.

6.      Povo das Encruzilhadas da
Calunga
:
Guardiões das encruzilhadas nos cemitérios e locais de descanso dos mortos.

7.      Povo das Encruzilhadas da
Praça
:
Presentes em praças urbanas, interagem com espíritos e figuras de origem
cigana.

8.      Povo das Encruzilhadas do
Espaço
:
Associados a planos superiores, e aos movimentos cósmicos e eólicos.

9.      Povo das Encruzilhadas da
Praia
:
Conectados aos caminhos aquáticos e ao mar.
 

O Reino das Encruzilhadas é um elo central na
Quimbanda, interligando todos os reinos e permitindo a manifestação de Exu e
Pombagira em diversos domínios, mantendo a comunicação entre o plano espiritual
e o terreno.
 

O Reino do Oriente na Quimbanda representa a
expansão, o movimento e o intercâmbio cultural e espiritual. Relacionado à
busca por conhecimento, magia e rotas comerciais, ele abrange povos diversos e
suas práticas ancestrais e místicas. Este reino não se limita ao Oriente
geográfico, mas inclui todos os povos estrangeiros ao Brasil, especialmente
aqueles que contribuíram com saberes espirituais e de cura.
 

Principais Povos do Reino do Oriente: 

1.      Povos Indianos: Focados em curas
holísticas e práticas antigas, como a medicina ayurvédica.

2.      Povos do Oriente Próximo: Incluem árabes, persas e
hebreus, conhecidos por sua sabedoria e mistérios espirituais.

3.      Povos do Oriente Distante: Representam chineses,
tibetanos, japoneses e mongóis, ligados à energia e comércio.

4.      Povos Egípcios: Sacerdotes e
conhecedores de ritos da vida e morte, com conhecimentos astrológicos e
mágicos.

5.      Povos Ameríndios: Incluem maias, toltecas
e astecas, reconhecidos por seus sacrifícios rituais.

6.      Povos Europeus: Engloba antigos romanos,
celtas e guerreiros místicos da Europa.

7.      Povos Ciganos: Especialistas em
divinação, manipulação dos quatro elementos e magia do amor e comércio.

8.      Povos do Norte: Habitantes das regiões
gélidas, como escandinavos e xamãs siberianos.

9.      Povos das Ilhas: Povos de culturas
isoladas em ilhas da Ásia, Oceania e outros arquipélagos.
 

As cores deste reino são o branco, rosa e verde,
com Exu Cigano e Pombagira Cigana como principais regentes. O Reino do Oriente
simboliza o mistério e a diversidade espiritual, sempre voltado à busca de
prazer, bem-estar, e a troca entre diferentes culturas e conhecimentos
místicos.
 

O Reino das Trevas na Quimbanda representa o uso
dos poderes ocultos da feitiçaria para defesa, ataque e proteção pessoal. Ele é
associado a aspectos sombrios, temores noturnos e forças ocultas, sem ser
considerado maligno ou benigno, mas sim um reino de magia poderosa e complexa.
No contexto das Trevas, os espíritos manipulam as energias de escuridão,
doenças, venenos e animais totêmicos para garantir proteção ou atingir
objetivos específicos.
 

Principais Povos do Reino das Trevas: 

1.      Povo do Luar: Trabalham com o poder da
Lua e aspectos da magia noturna.

2.      Povo dos Terrores: Associados aos medos e
representados por animais noturnos como morcegos e lobos.

3.      Povo da Escuridão: Habitantes das áreas
escuras e das sombras urbanas, como espiões e informantes.

4.      Povo das Sombras: Entidades que usam as
sombras para entrega de feitiços e manipulação oculta.

5.      Povo das Mirongas: Feiticeiros
especializados em magia para malefícios.

6.      Povo das Trevas: Espíritos profundos que
absorvem toda a luz, como Exu Rei das Trevas.

7.      Povo dos Assassinos: Mestres na arte da morte
oculta e dissimulação.

8.      Povo do Inferno: Representam forças
infernais e o diabolismo.

9.      Povo dos Venenos: Conhecedores de plantas
e venenos para fins mágicos e bélicos.
 

Com regentes como Exu Rei das Trevas e Pombagira
Rainha das Trevas, este reino é essencial para rituais de feitiçaria intensa e
se manifesta em escuridão completa, sendo sua cor associada o preto profundo.
 

O Reino da Lira é o domínio da Quimbanda onde se
manifestam as artes, a música, a boemia e os prazeres humanos. Ele reflete
tanto a expressão artística e cultural quanto o lado sombrio das compulsões,
vícios e paixões descontroladas. A Lira une forças criativas e destrutivas,
incentivando a inspiração, mas também o engano e a ilusão. A regência deste
reino é do Exu Rei das 7 Liras, que se associa ao próprio Lúcifer,
representando o fascínio e os desafios da cultura e do prazer.
 

Principais Povos do Reino da Lira: 

1.      Povo da Lira (Música): Espíritos de artistas e
músicos, que inspiram e influenciam a criatividade.

2.      Povo dos Cabarés: Pombagiras e entidades
que lidam com sedução e intimidade, conhecendo os segredos humanos.

3.      Povo do Lixo: Inclui mendigos e
nômades que vivem em ambientes de decadência e sobrevivência.

4.      Povo do Comércio: Focados na prosperidade
e riqueza, como o Exu Chama-Dinheiro.

5.      Povo dos Malandros: Personagens carismáticos
e boêmios, exemplificados por Zé Pelintra.

6.      Povo do Cais: Malandros associados à
vida noturna e atividades ilegais nos portos.

7.      Povo das Ruas: Espíritos de marginais e
bandidos urbanos que garantem ou perturbam a segurança.

8.      Povo das Artes Teatrais: Atores e atrizes,
figuras de talento que oscilam entre fama e decadência.

9.      Povo Vagante: Almas perdidas e
entorpecidas, representando o esgotamento e a perda de propósito.
 

As cores do Reino da Lira são preto, vermelho e
branco, simbolizando tanto a vitalidade quanto o conflito e a complexidade das
emoções humanas.
 

A cosmovisão da Quimbanda, ao organizar seus
Reinos, revela uma complexa estrutura espiritual e cultural que reflete a
própria luta e adaptação de povos e tradições em resposta a realidades de
dominação e resistência. A Quimbanda, através de seus nove Reinos, apresenta um
universo onde o ser humano interage com o visível e o invisível, assimilando
forças naturais, sociais e espirituais. Essa organização permite um intercâmbio
entre o pandemonium eurasiano e o pandemonium brasileiro, ambos
sendo espaços onde a alteridade e a resistência se manifestam de formas
distintas e complementares.
 

1.2. Reinos da Quimbanda e o Pandemonium 

Os Reinos da Quimbanda representam esferas de
atuação dos Exus e Pombagiras, cada uma com suas especificidades e formas de
influência no mundo material e espiritual. Esses reinos organizam as forças que
dialogam com as necessidades humanas, como proteção, cura, riqueza, prazer e
justiça, e incorporam a presença das almas ancestrais e das forças do
desconhecido, como o Reino das Trevas e das Encruzilhadas.
 

No pandemonium eurasiano, encontramos um
conceito semelhante, um espaço onde se encontram entidades e espíritos que
fogem da norma das divindades ou santos, revelando um mundo de espíritos
ambíguos, complexos e, muitas vezes, paradoxais, que atendem tanto às necessidades
quanto aos temores humanos. Esse pandemonium se manifesta em cultos e
crenças que envolvem seres espirituais associados às sombras e ao desconhecido,
refletindo a alteridade e o desafio à ordem estabelecida.
 

No pandemonium brasileiro, essa ideia foi
adaptada e recontextualizada pela Quimbanda, que absorveu influências
indígenas, africanas e europeias, organizando seus próprios reinos espirituais
e ampliando seu sistema de crenças em resposta à realidade do Brasil colonial e
pós-colonial. O pandemonium brasileiro se torna, assim, uma expressão de
resistência e preservação cultural, onde os Exus e Pombagiras, figuras de
alteridade, defendem, protegem e atendem aqueles que os veneram,
independentemente de status social ou hierarquia religiosa.
 

1.3. Alteridade e Resistência 

A Quimbanda é, essencialmente, uma prática de
alteridade e resistência. Suas divindades e práticas se situam fora do espaço
ortodoxo religioso, nascendo da convergência das culturas banto, tupi e ibérica,
o que criou um sistema de forças que resistem às pressões sociais. A alteridade
na Quimbanda se manifesta na figura dos Exus e Pombagiras, espíritos de
estrada, de encruzilhadas, de cabarés, de cemitérios e de outros espaços
liminares que representam aqueles que desafiam as fronteiras do aceitável
ou do normal segundo a moralidade cristã ocidental.
 

A resistência está, então, embutida na própria
existência desses reinos e pandemoniums. Eles preservam o conhecimento
ancestral e mantêm vivas as práticas culturais e espirituais que foram
historicamente marginalizadas e perseguidas. A Quimbanda usa a alteridade como
ferramenta de resistência cultural e espiritual, ao mesmo tempo em que se
apropria de elementos da própria cultura estabelecida para reconfigurar sua
prática.
 

1.4. O Reino do Oriente & o Pandemonium
Eurasiano
 

O Reino do Oriente na Quimbanda e o pandemonium
eurasiano possuem uma conexão espiritual e simbólica fundamentada na ideia de
alteridade e na busca por sabedoria mística e conhecimentos ocultos que
transcendem fronteiras culturais e geográficas. Ambos compartilham uma essência
que valoriza o outro, o desconhecido e o estrangeiro, que simbolicamente
se traduz em uma expansão de consciência e ampliação de perspectivas
espirituais.
 

1.5. A Expansão Cultural e o
Conhecimento Oculto
 

O Reino do Oriente representa, na Quimbanda, o
espaço das trocas culturais, o movimento e a expansão para além do familiar.
Ele agrega povos de diferentes culturas e tradições que, ao longo dos séculos,
trouxeram saberes espirituais e práticos que enriquecem a compreensão da
existência humana. O Oriente é, assim, o reino das rotas de comércio e das
viagens, mas também da busca espiritual que muitas vezes é velada e oculta.
 

De forma semelhante, o pandemonium
eurasiano é o espaço de manifestação dos conhecimentos esotéricos e espirituais
que resistem à uniformização e à ortodoxia. Ele incorpora entidades e
arquétipos que representam a sabedoria mística do Oriente próximo e distante,
mas também de culturas européias nativas e de tradições marginalizadas ou
relegadas ao oculto pela visão cristã ocidental. Dessa forma, ambos os
espaços agem como portais espirituais que conectam tradições e saberes
distintos, unificando o que é considerado marginal ou estrangeiro.
 

1.6. A Magia e o Sincretismo 

O Reino do Oriente e o pandemonium
eurasiano representam também a capacidade de sincretismo e adaptação dos
conhecimentos ocultos e mágicos. No Reino do Oriente, essa adaptação ocorre à
medida que figuras como Exus e Pombagiras de origem cigana, árabe, asiática ou
indígena trazem ensinamentos específicos de suas tradições e práticas mágicas,
mesclando-se ao sistema da Quimbanda sem perder sua essência. O Oriente na
Quimbanda, portanto, funciona como um elo entre a espiritualidade local e as
influências estrangeiras, reforçando a capacidade da Quimbanda de incorporar e
transformar elementos externos em suas próprias práticas.
 

De forma parecida, o pandemonium eurasiano
incorpora figuras espirituais e práticas esotéricas que variam de mitos celtas
a tradições xamânicas da Ásia e práticas de feitiçaria europeia medieval,
promovendo um espaço de encontro e fusão espiritual que não se submete a uma
única identidade cultural. Ele é um reflexo do sincretismo cultural e
espiritual que atravessa continentes, criando uma arena simbólica onde o estrangeiro
e o oculto são reconhecidos como fundamentais para a compreensão da
própria espiritualidade e identidade.
 

1.7. Símbolos de Conexão e
Autodescoberta
 

Assim, o Reino do Oriente na Quimbanda e o pandemonium
eurasiano são espaços simbólicos que compartilham a busca pelo conhecimento que
transcende fronteiras e desafia normas culturais e religiosas. Eles operam como
pontes entre diferentes tradições e sistemas espirituais, promovendo uma
integração que valoriza a alteridade. Cada um, à sua maneira, reflete o papel
do estrangeiro e do oculto como catalisadores para o autoconhecimento e a
expansão espiritual.
 

1.8. O reino da Lira, Dionísio e a
Cultura do Êxtase
 

O Reino da Lira na Quimbanda, o culto de Dionísio
na Grécia e os mistérios e cultos de êxtase têm uma relação profunda baseada no
uso ritualístico do prazer, da arte e do êxtase como portais para a
transcendência espiritual e a transformação pessoal. Esses elementos aparecem
tanto no Reino da Lira quanto no culto dionisíaco como uma celebração e um
domínio que envolve tanto o prazer quanto a subversão dos limites sociais e
morais, explorando as esferas do espírito humano que desafiam o controle e
abraçam o caos como uma força criativa e transformadora.
 

1.9. O Êxtase e o Transe como Portais de
Conexão
 

No Reino da Lira, a presença de figuras como o Exu
Rei das 7 Liras e entidades ligadas aos prazeres e vícios da vida boêmia remete
diretamente aos estados de êxtase e transe, muito próximos dos experimentados
no culto de Dionísio. Nos rituais dionisíacos, a música, o vinho e a dança eram
instrumentos que levavam os participantes a estados alterados de consciência,
onde o espírito coletivo e individual se uniam a uma experiência de fusão com a
divindade e o Cosmos. Esse tipo de êxtase é uma característica central dos
ritos da Lira, onde o álcool, a música e a dança são utilizados para romper com
a racionalidade e promover uma entrega espiritual e pessoal.
 

1.10. A Subversão e o Caos como
Elementos Criativos
 

O culto de Dionísio era um espaço onde as normas
sociais eram subvertidas, onde o caos e a embriaguez ofereciam uma saída das
estruturas da civilização. O Reino da Lira age de forma semelhante ao abrir
espaço para comportamentos e expressões muitas vezes marginalizados, como a
boemia, a arte, a luxúria e o vício. Assim como o culto dionisíaco atraía
aqueles que buscavam uma ruptura com a vida cotidiana e seus papéis sociais
restritivos, o Reino da Lira na Quimbanda congrega espíritos e praticantes que
buscam nas artes, na música e nos prazeres mundanos uma forma de expressão e
libertação espiritual.
 

1.11. Arte, Música e a Sedução do
Inconsciente
 

No Reino da Lira, a música e a arte são portas de
entrada para o inconsciente e instrumentos que promovem uma reflexão mais
profunda sobre os aspectos mais ocultos e obscuros da psique humana. De maneira
semelhante, o culto de Dionísio era conhecido por suas encenações teatrais e
pela sua ligação com as artes dramáticas, que exploravam as profundezas da
psique e da tragédia humana. Essa conexão entre arte e mistério, teatro e
êxtase, é um ponto comum entre os dois sistemas, onde a criação artística não é
apenas um meio de expressão, mas uma via para acessar o divino e expandir a
percepção do sagrado.
 

1.12. O Êxtase e o Desejo como Forças de
Transcendência
 

Tanto no Reino da Lira quanto nos cultos
dionisíacos, o desejo é visto como uma força poderosa que pode tanto elevar
quanto destruir. Dionísio, o deus do vinho, do êxtase e da loucura, também
representa o poder do desejo e da embriaguez em seus aspectos transformadores.
No Reino da Lira, vemos uma ênfase semelhante na ideia de que a entrega aos
prazeres da vida e à intensidade das emoções humanas pode levar a uma
compreensão mais profunda do eu e das forças espirituais que moldam a
existência. Ambos os cultos entendem o êxtase e o prazer não como fraquezas,
mas como expressões de uma conexão divina que transcende os limites da
experiência ordinária.
 

1.13. Os Caminhos de Dionísio e da Lira
na Transformação Espiritual
 

Assim, o Reino da Lira e o culto de Dionísio
compartilham uma essência comum: ambos celebram o êxtase, a arte, a música e o
desejo como meios de transcendência, convidando o praticante a explorar o
limite entre o controle e a entrega. Eles oferecem uma visão de espiritualidade
onde o prazer e a expressão criativa são valorizados como caminhos válidos para
a comunhão com o divino e a libertação das limitações do ego, abrindo espaço
para uma experiência mais completa e integrada do ser.
 

1.14. O Reino das Trevas & a Busca
do Poder da Magia
 

O Reino das Trevas na Quimbanda se relaciona
diretamente com a prática da magia negra voltada a conflitos espirituais e a
busca pelo poder oculto. Esse reino representa a exploração das forças
sombrias, a manipulação das energias densas e ctônicas que habitam os planos
materiais mais profundos.
 

1.15. Poder das Sombras e Conflitos
Mágicos
 

O Povo das Sombras exemplifica o poder de
manipular o invisível e utilizar o ambiente sombrio e oculto das ruas e dos
becos como canais para a magia e feitiçaria de ataque e defesa. Esses
espíritos, como Exu Sete Sombras e Exu Penumbra, operam como mensageiros sutis,
sendo capazes de influenciar situações e desestabilizar emocional e
espiritualmente o alvo. Em conflitos mágicos, essa habilidade de manipulação
das sombras possibilita a entrega de maldições, influências psíquicas e a
criação de barreiras.
 

1.16. Fogo e Destruição Espiritual 

O Povo do Fogo, associado ao fogo das fornalhas e
crematórios, representa o espírito combativo e a chama inextinguível do poder
destrutivo. Os espíritos deste grupo, como Exu Braseiro e Exu Labareda, lidam
com as energias elementares do fogo como força transformadora, mas também como
arma espiritual. Assim como Prometeu trouxe o fogo como símbolo de conhecimento
e poder, esses Exus carregam a chama do saber oculto, usando-a para abrir
caminhos para aliados e aniquilar inimigos espirituais.
 

1.17. Alquimia das Trevas e Venenos 

No Povo dos Venenos, os espíritos, como Exu Sete
Venenos e Pombagira Cascavel, simbolizam a prática de uma alquimia obscura, na
qual as ervas e raízes se transformam em elementos bélicos. A atuação deste
grupo nas zonas de tensão e repressão, como prisões e vielas, reflete a ideia
de resistência através da magia, utilizando venenos físicos e espirituais para
minar a saúde, a vitalidade e a estabilidade emocional dos inimigos. Esse
conhecimento é tanto um recurso de defesa quanto de ataque, misturando cura e
destruição, similar à figura do curador-venenoso.

 1.18. Espaços Abissais e Segredos
Profundos
 

O Povo dos Abismos e dos Infernos remete a uma
profundidade extrema no sentido espiritual, simbolizando áreas de conhecimento
e magia que estão ocultas e inexploradas. Esses locais, como as zonas abissais
dos mares ou os vulcões, são visualizados como portais para o desconhecido e
são considerados pontos de acesso ao poder ancestral da Terra. Exus como Exu
Kalunga e Exu Sete Caldeiras do Inferno trabalham nesses ambientes para
alcançar poderes primordiais e ctônicos, usados tanto para defesa quanto para a
proteção de segredos profundos que sustentam o poder do Reino das Trevas.
 

1.19. Maldições e Defesa 

O Povo das Maldições, formado por entidades como
Exu Sete Maldições e Exu Mau Olhado, usa suas habilidades para lançar maldições
e atuar em rituais de magia negra, os quais podem enfraquecer ou derrubar o
inimigo. Esses espíritos, que habitam túmulos e locais abandonados, são
conhecidos pela capacidade de canalizar rancores e injustiças para criar
maldições e feitiços duradouros. Essa prática reflete o uso da magia como
resistência e vingança, um meio de garantir justiça ao recorrer às forças do
além e à escuridão.
 

1.20. Alteridade e a Busca pelo Poder 

O Reino das Trevas é uma representação da
alteridade e da resistência espiritual. Ele explora as forças contrárias ao
convencional, atraindo espíritos e praticantes que buscam poder através do
oculto e das forças das sombras. Este reino resgata a luta pelo poder em seus
aspectos mais crus e primitivos, utilizando o simbolismo das sombras, do fogo,
do veneno e da morte para estabelecer uma prática mágica que desafia o status
quo e resiste às forças que tentam impor limites à liberdade e ao conhecimento
espiritual.
 

Assim, a magia negra no contexto do Reino das
Trevas é tanto uma busca pelo poder como uma resistência ativa ao domínio e ao
controle, sendo que as energias densas e as práticas de conflito mágico
encontram aí seu terreno fértil para se expressar e transformar a realidade.
 

 

2. A QUIMBANDA & A ARTE
DA GUERRA ESPIRITUAL
 

A Quimbanda, como tradição espiritual e mágica,
oferece uma estrutura única para a prática da guerra espiritual, alinhando-se
com táticas de resistência e domínio simbólico e real, especialmente em
contextos de luta contra sistemas de poder. Com raízes no saber ancestral
africano, a Quimbanda utiliza conhecimentos profundos sobre manipulação de
forças espirituais, encantamentos e proteção mágica para assegurar a
sobrevivência e empoderar seus praticantes em conflitos, sejam eles pessoais, sociais
ou espirituais.
 

2.1. Estratégias de Defesa e Ataque:
Conexão com Milícias Africanas no Congo
 

Na República Democrática do Congo, milícias e
forças locais tradicionalmente utilizam artes mágicas para ganhar vantagem
sobre seus inimigos, seja em emboscadas, proteção contra a violência física, ou
para confundir os oponentes. Esses grupos de resistência frequentemente
recorrem a rituais específicos, símbolos de proteção e amuletos consagrados,
destinados a canalizar a energia ancestral, comumente chamada de ngolo
(força ou poder vital) na cultura banto, que é essencial para triunfar em
batalhas desiguais. Da mesma forma, a Quimbanda enfatiza a defesa mágica e o
uso estratégico de espíritos e encantamentos que atuam tanto na proteção dos
praticantes quanto na desestabilização de inimigos espirituais e físicos.
 

2.2. Espíritos de Guerra: Exus e
Pombagiras como Guerreiros
 

Exus e Pombagiras na Quimbanda não são apenas
espíritos de comunicação e mediação; eles também atuam como guardiões,
mensageiros e guerreiros, prontos para assumir um papel combativo nas batalhas
espirituais. Esses espíritos são evocados em práticas de proteção e
contra-ataque para neutralizar feitiços, amaldiçoar inimigos e até mesmo
proteger fronteiras espirituais e físicas. Nas milícias africanas, práticas
mágicas semelhantes incluem a evocação de espíritos dos mortos e dos ancestrais
para blindar combatentes contra balas ou ataques surpresa, ajudando-os a
confrontar forças maiores e mais armadas.
 

2.3. Alquimia de Defesa: Feitiçaria de
Proteção e Invulnerabilidade
 

Em práticas tradicionais do Congo, como as
empregadas por grupos armados, as poções e pós (chamados atins ou dawa)
são preparados com elementos da flora e fauna locais, usados tanto para
invulnerabilidade quanto para invisibilidade ou camuflagem mística.
Similarmente, a Quimbanda valoriza o uso de pós, raízes e folhas consagradas em
seus rituais, principalmente dentro do Reino das Matas e do Reino das Trevas.
Essas substâncias são empregadas para proteção física, fortalecer a coragem dos
praticantes e desestabilizar o emocional e espiritual dos inimigos. A prática
de aplicar venenos ou remédios mágicos — ambos capazes de cura ou de prejuízo —
reflete diretamente o modo como se desenvolvem as práticas de resistência entre
grupos de guerrilha e defensores de territórios no Congo.
 

2.4. Magia Negra e Resistência ao Poder
Estatal
 

A Quimbanda ensina que a magia pode ser um ato de
resistência. Exus e Pombagiras associados ao Reino das Trevas, como Exu Sete
Sombras e Exu Calunga, operam como mediadores de poder, capazes de envenenar,
amaldiçoar e conduzir rituais de quebra de feitiços impostos por opressores. Na
prática das milícias africanas, encontramos técnicas de feitiçaria que também
se configuram como um desafio direto à autoridade do Estado, permitindo aos
combatentes resistirem a forças armadas e a intervenções externas. A magia
serve, assim, para empoderar combatentes e revigorar seu espírito de luta,
subvertendo as tentativas de controle e manipulação por parte das autoridades.
 

2.5. Espaços de Poder e Territórios de
Guerra Espiritual
 

Tanto na Quimbanda quanto nas práticas de
resistência mágica no Congo, os territórios simbólicos são elementos
fundamentais na guerra espiritual. Locais específicos, como encruzilhadas,
cemitérios, florestas e até ruínas, são pontos de concentração de poder
espiritual e de resistência. Os praticantes da Quimbanda utilizam esses espaços
para evocar energias densas e guias espirituais que defendem ou contra-atacam,
como os Exus dos Abismos ou dos Venenos. Da mesma forma, as milícias do Congo
incorporam esses espaços como territórios de poder onde encantamentos e
proteção mágica podem ser garantidos, permitindo que sua força espiritual seja
intensificada nesses locais.
 

2.6. Quimbanda, Arte de Guerra
Espiritual e Resistência Mágica
 

A Quimbanda e as práticas mágicas das milícias
africanas exemplificam a busca pela autodefesa e pela autonomia por meio da
manipulação do poder espiritual. Ambas as tradições revelam como a magia negra
pode funcionar como uma forma de resistência e sobrevivência em contextos de
conflitos extremos, colocando em jogo o poder oculto como ferramenta essencial
para contestar a opressão, afirmar a soberania espiritual e desafiar forças
aparentemente insuperáveis.
 

A Quimbanda enfatiza a magia de combate e proteção
através dos Exus e de suas diversas formas de atuação, situando-se como uma
prática profundamente voltada para a guerra espiritual. Este conceito
está enraizado na habilidade dos Exus em manipular energias de alta
intensidade, muitas vezes alinhadas a armas espirituais como punhais, facas,
lanças e tridentes, que são consagrados dentro dos assentamentos dos Exus para
realizar ataques e defesas, simbolizando hierarquia e poder dentro da magia
belicosa. Estas armas espirituais, como o tridente, representam o domínio dos
elementos e têm uma função essencial tanto em ataques diretos quanto em
defensas estratégicas. Esse tipo de magia pode ser vista nas práticas de
feitiçaria voltadas à guerra e ao conflito, onde cada Exu, dependendo do seu
domínio, age em função de sua especialidade.
 

No contexto africano, especificamente entre as
milícias do Congo, práticas mágicas também têm sido historicamente utilizadas
como formas de resistência e domínio de poder sobre o território e sobre os
próprios inimigos. Essas práticas incorporam elementos da natureza e rituais de
proteção que visam fortificar o guerreiro e invocar poderes ancestrais, muitas
vezes através de amuletos e substâncias naturais que conferem invulnerabilidade
ou potencializam a força física e espiritual. Na Quimbanda, esta prática se
manifesta na interação com o Povo dos Venenos, espíritos que conhecem
profundamente a flora e a fauna e utilizam de substâncias para criar feitiços
que atingem emocional e espiritualmente o adversário, similar às práticas de
envenenamento simbólico ou real usadas para deter ou desestabilizar o inimigo.
 

Dessa forma, os Exus, sobretudo aqueles
pertencentes ao Reino das Trevas e ao Reino das Encruzilhadas, desempenham o
papel de generais espirituais e se especializam em subverter o equilíbrio de
poder, seja para ataque ou defesa. As artes mágicas de Quimbanda utilizam uma
vasta gama de elementos simbólicos e materiais que, quando manipulados,
transformam o ambiente ao redor, criando proteção ou mesmo campos energéticos
de combate, um ponto essencial para a compreensão de sua aplicação em conflitos
e resistências modernas e ancestrais.
 

 

3. QUIMBANDA, O LIVRO DE
SÃO CIPRIANO & A ARTE DA GUERRA ESPIRITUAL

A feitiçaria da Quimbanda encontra uma forte
intersecção com os ensinamentos e práticas descritos em O Livro de São
Cipriano
, onde a magia ibérica e a magia fáustica exercem influência
significativa. O Livro de São Cipriano é um grimório clássico do Ocultismo,
conhecido por compilar feitiços, invocações e práticas de necromancia que são
utilizados para defesa espiritual, ataque e proteção, elementos essenciais no
contexto da guerra mágica e do combate espiritual que também são
centrais à Quimbanda.
 

Influência Cipriânica na Quimbanda: A Quimbanda utiliza-se
de práticas ligadas a São Cipriano, considerado o santo bruxo da magia
cristã ocidental, cujos feitiços e orações têm como foco a invocação de poderes
espirituais para proteção e subjugação de inimigos. Muitos dos rituais de São
Cipriano são voltados ao domínio sobre entidades e energias astrais, incluindo
feitiços de proteção e feitiços de ataque, que podem ser relacionados aos Exus
do Reino das Trevas e do Sub-Reino das Sombras, os quais agem estrategicamente
em locais escuros e sob condições astrais adversas para realizar ataques e se
proteger.
 

Magia Ibérica e Fáustica: A influência da magia
ibérica é especialmente forte nos encantamentos e invocações de São Cipriano,
que trazem elementos de tradições da Península Ibérica e da magia cristã
medieval. A Quimbanda incorporou parte desse legado, especialmente na forma de uso
de palavras de poder e conjurações que lembram o sistema simbólico cristão
adaptado em O Livro de São Cipriano, e na utilização de cruzes,
caldeirões e vasos em rituais. A magia fáustica, por sua vez, encontra
similaridade nos pactos e conjurações feitas para Exus e Pombagiras, onde há
uma negociação explícita de poderes e vantagens espirituais em troca de
oferendas ou obrigações, assemelhando-se ao pacto com o Diabo no mito de
Fausto, adaptado na Quimbanda para uma lógica de relacionamento de poder.
 

Aplicação na Guerra Espiritual e Combate
Mágico
:
Nos feitiços de São Cipriano, encontramos rituais de amarração, destrancamento
e defesa, que têm sua equivalência direta nos trabalhos de Quimbanda voltados à
resolução de conflitos e à abertura de caminhos. Exus como Tranca-Ruas, que
possuem domínio sobre as encruzilhadas e caminhos de poder, são diretamente
evocados em rituais de combate, onde a proteção contra inimigos, o ataque a
adversários espirituais e a defesa da própria energia são prioridades. A arte
de combate espiritual, por meio de feitiçaria, evoca na Quimbanda esses
aspectos de São Cipriano: a utilização de sigilos, rezas cifradas e elementos
naturais para construir barreiras espirituais e atacar energeticamente os
opositores.
 

 

4. A TEOLOGIA NOTURNA DA QUIMBANDA

A Teologia Noturna da Quimbanda é um modelo
cosmovisivo onde o poder, a sabedoria e a atuação dos Exus e Pombagiras se
enraízam em uma matriz lunar e noturna. Esse modelo é um reflexo da
ancestralidade sublunar, que compreende a realidade espiritual em um espectro
entre a Terra e a Lua, distanciando-se do reino dos espíritos solares e
celestiais. Essa visão reflete um sistema onde a Lua e a escuridão estão no
ápice, enquanto o Sol ocupa as profundezas, simbolizando o conhecimento e o
poder oculto, um conceito paralelo ao Sol da Meia-Noite nas cosmologias
antigas, onde a luz e o poder são encontrados no interior da escuridão e nos
mundos inferiores.
 

A Quimbanda adota a perspectiva de que a
espiritualidade, o poder e os mistérios não estão ligados a uma força celestial
superior, mas aos reinos telúricos e aos éteres sublunares. Esta
corrente se diferencia das cosmologias que definem os deuses e espíritos em
esferas superiores; na Teologia Noturna da Quimbanda, os Exus e
Pombagiras são Filhos da Lua e de forças elementais e ctônicas, possuindo uma
presença atrelada à Terra, com domínio sobre os quatro elementos em uma
perspectiva de Submundo. Esse domínio não é meramente abstrato, mas funcional,
dando-lhes poder sobre as direções e as esferas de influência material e
espiritual.
 

4.1. Estrutura Sublunar e os Reinos dos
Exus
 

A Quimbanda vê o reino sublunar como composto de
sete níveis, onde o primeiro e mais elevado é a Lua. Os Exus e Pombagiras,
espíritos regentes desse reino, são responsáveis pela transição e movimentação
de energias entre esses níveis, com a Lua e o Sol como polos opostos que
garantem equilíbrio e continuidade cíclica. Sob esse prisma, o Sol ocupa o
fundo do Submundo, onde se estabelece como um Sol Noturno que governa os
processos ocultos e alquímicos de transformação.
 

4.2. Quatro Elementos e Povos
Espirituais
 

A Teologia Noturna organiza os Exus e
Pombagiras em função dos quatro elementos, cujos poderes são expressos nas
formas simbólicas da Terra, Água, Ar e Fogo. Esses elementos são a essência do
poder natural que Exus e Pombagiras utilizam para se manifestar e exercer sua
autoridade. Por exemplo:
 

·        
Fogo:
Associado ao Submundo, o fogo na Quimbanda é o espírito, a gnose e a luz oculta
nas sombras. Espíritos como Exu Fogo e Pombagira Espalha Brasas dominam esse
elemento, utilizando-o tanto como proteção quanto como arma espiritual.

·        
Terra: Ligada ao mundo material e à força telúrica, os Exus das
Pedras e os espíritos que habitam cemitérios expressam essa energia,
representando a sabedoria e o poder dos antigos.

·        
Água:
Como nos antigos sistemas gregos, o oceano é uma via de transição para o
Submundo. Espíritos aquáticos da Quimbanda utilizam esse elemento como passagem
e meio para a manifestação.

·        
Ar:
Simbolizando o espírito errante, o ar é associado aos daimōnes e
espíritos intermediários que vagam entre as regiões da Terra e da Lua.
 

4.3. A Lua e os Exus como Guardiões
Noturnos
 

A Lua é a soberana do céu noturno e, na Quimbanda,
simboliza a influência espiritual sobre os ciclos da natureza e o mistério. A
associação de Exu e Pombagira com a Lua representa o poder de atuar nas sombras
e manejar forças invisíveis. Isso reflete o entendimento de que Exus e
Pombagiras são, em essência, entidades de mistério e transição, guardiões das encruzilhadas
noturnas
que operam no limiar entre o mundo visível e o invisível, o
consciente e o inconsciente.
 

4.4. A Herança da Goécia e a Tradição
Subterrânea
 

A influência da goécia sobre a Quimbanda, conforme
transmitida pelo Grimorium Verum, introduz a ideia de que os espíritos
da Quimbanda são descendentes das tradições sublunares e aéreos, sendo os Exus
e Pombagiras os herdeiros dessas linhagens espirituais. Esse aspecto evidencia
uma continuidade com as tradições de magia europeias, em que entidades da Terra
e do Ar são invocadas para realizar grandes feitos de proteção, ataque e manipulação
dos elementos.
 

4.5. A Profundidade dos Reinos
Inferiores e o Poder do Oculto
 

A Quimbanda vê o Submundo não como um local de
sofrimento eterno, mas como um campo fértil de transformação e aprendizado. É
onde se encontram os Exus e Pombagiras que detêm o conhecimento das sombras, da
magia profunda e da alquimia espiritual. Esse reino oferece tanto o poder de
destruição quanto o de renovação, um reflexo da necessidade de integração das
forças luminosas e sombrias na jornada espiritual, ao invés de suprimir as
partes ocultas da psique.
 

A Teologia Noturna da Quimbanda oferece uma
visão da espiritualidade como uma força que emerge das profundezas da Terra e
das regiões sublunares. Ao invés de buscar uma ascensão celestial, a Quimbanda
valoriza o mergulho profundo nas sombras e o entendimento de que o verdadeiro
poder espiritual reside na aceitação e manipulação de todas as facetas do mundo
material e espiritual. Essa teologia é uma celebração do mistério, do poder
noturno e da complexidade do Universo, onde o conhecimento reside tanto na luz
quanto na escuridão, e onde os Exus e Pombagiras atuam como senhores de uma
noite sagrada, guardiões das forças mais antigas e, ao mesmo tempo, guias para
a transformação e emancipação espiritual.
 

 

5. QUIMBANDA & OCULTISMO

A Quimbanda e o Ocultismo partilham uma
base comum na prática da magia, especialmente na manipulação de energias
através da doutrina da simpatia. A Quimbanda brasileira e os sistemas
ocultistas ocidentais, como o descrito em textos clássicos do Ocultismo e
na obra O Livro de São Cipriano, utilizam práticas que visam a
manipulação das forças da natureza e das energias sutis presentes no mundo
visível e invisível. Estas energias são entendidas como fluxos de uma força
vital, ou força ódica na terminologia da Quimbanda, um conceito
semelhante ao magnetismo animal de Mesmer e à luz astral de
Eliphas Levi.
 

5.1. A Doutrina da Simpatia e a
Manipulação de Energias na Quimbanda e Ocultismo
 

Na Quimbanda, a doutrina da simpatia refere-se à
capacidade de conectar elementos materiais e espirituais em uma rede de
correspondências, onde objetos, oferendas, pontos riscados e cantados são
empregados para canalizar e direcionar as energias necessárias para a manifestação
de desejos e vontades dos operadores. Essa técnica está intimamente ligada à
utilização dos Exus e Pombagiras como agentes universais, representando
forças masculinas e femininas que interagem para gerar equilíbrio no campo
espiritual e realizar milagres através da magia.
 

Essa visão de simpatia e correspondência está
presente também em sistemas mágicos europeus, particularmente no hermetismo
alexandrino e nas obras de pensadores neoplatônicos como Jâmblico e Proclo.
Para esses sistemas, os elementos terrestres e astrais estão interligados e,
como na Quimbanda, podem ser influenciados e movidos por uma série de ritos e
objetos que servem como condutores de energia. Na prática da Quimbanda,
essa simpatia se expressa através da macumba. i.e. feitiços e ritos em
que Exus e Pombagiras aceitam pagamento e oferendas para realizar trabalhos
direcionados, seja para proteção, atração ou combate espiritual.
 

5.2. A Herança da Magia Ocidental e o
Papel dos Espíritos Mercuriais
 

A Quimbanda incorpora muitas técnicas de controle
e manipulação espiritual que se alinham com práticas ocultistas da magia
europeia, como a evocação de demônios e daimōnes na goécia. Os Exus e
Pombagiras da Quimbanda desempenham papel semelhante aos espíritos mercúrios
da goécia, que são neutros e podem agir segundo a vontade do operador, contanto
que sejam devidamente recompensados. Esta relação é visível no início do Grimorium
Verum
, onde se afirma que os espíritos atendem a contratos desde que
recebam suas devidas oferendas, e reflete a ideia na Quimbanda de que sem
Exu não se faz nada
, uma alusão direta ao papel crucial dos intermediários
espirituais no êxito dos trabalhos.
 

Esse pragmatismo mágico está profundamente
enraizado no que Wouter J. Hanegraaff define como práticas de controle para
influenciar a realidade, ou seja, rituais e encantamentos que agem sobre forças
naturais e sobrenaturais. Na Quimbanda, esses elementos de controle são os agentes
mágicos universais
: a cachaça, o fumo, o sangue, a pólvora e os padês
(oferendas rituais), que são cuidadosamente escolhidos de acordo com suas
correspondências espirituais. Essa escolha ressoa com o platonismo teúrgico,
que usava a mesma lógica de correspondência para atrair deuses e espíritos por
meio de oferendas apropriadas.
 

5.3. Magia Ibérica e São Cipriano na
Quimbanda: Influências Diretas na Guerra Espiritual
 

A magia ibérica e O Livro de São Cipriano
também influenciaram a Quimbanda, especialmente nas práticas de combate
espiritual e defesa mágica. A obra de São Cipriano, com seus feitiços para
proteção e ataques, deu à Quimbanda ferramentas para enfrentar forças hostis,
um reflexo direto do pragmatismo presente na macumba, onde a magia pode
ser tanto protetora quanto ofensiva. Na Quimbanda, a feitiçaria se expande para
o uso de pontas, pontos riscados e amuletos, práticas herdadas e adaptadas da
magia cipriânica, que são executadas com uma intenção voltada ao confronto de
inimigos espirituais e à manutenção de domínio e equilíbrio.
 

A tradição cipriânica também trouxe à Quimbanda o
uso de invocações, selos e objetos de poder carregados com força espiritual e
que representam, no contexto da feitiçaria, a influência dos espíritos sobre o
mundo físico. Esse elemento de magia prática e ritual se encontra em muitas receitas
de Cipriano e reforça a conexão espiritual ibérica na Quimbanda, que busca não
apenas a realização de desejos pessoais, mas a supremacia espiritual.
 

5.4.A Força Ódica e o Equilíbrio entre
Exus e Pombagiras
 

Assim como o Ocultismo europeu utiliza a
polaridade de forças para efetivar ritos, a Quimbanda funciona por meio da
interação de energias masculinas e femininas, refletindo um equilíbrio na
natureza. A força ódica da Quimbanda é polarizada por Exus e Pombagiras
que representam o dualismo essencial para a prática mágica, onde Maioral, a
figura andrógina central, aglutina essas forças. Esse equilíbrio é fundamental
para o operador manipular as energias de maneira eficaz e vincular a
feitiçaria à sua intenção.
 

A Quimbanda, ao se alinhar com o Ocultismo,
permite ao operador não apenas compreender, mas dominar forças externas ao
conjurar espíritos e direcionar energias por meio da simpatia. Isso
reforça uma visão onde o praticante, por meio da ciência sagrada
mencionada por Proclo, utiliza a Quimbanda e o Ocultismo para
transcender e manipular as barreiras entre o visível e o invisível, entre o
físico e o espiritual, buscando não apenas influência, mas também poder sobre
sua própria realidade.
 

 

CONCLUSÃO

Os Reinos da Quimbanda, o pandemonium
eurasiano e o pandemonium brasileiro se entrelaçam como espaços de
alteridade que permitem que indivíduos e coletividades marginalizadas
fortaleçam suas identidades e resistam a processos de opressão e assimilação.
Na Quimbanda, essa resistência é uma prática viva, sustentada por uma relação
dinâmica com o mundo espiritual, onde os reinos e suas entidades proporcionam
não apenas proteção, mas uma reinterpretação contínua da identidade e da força
coletiva dos praticantes. Em suma, a Quimbanda se revela como um movimento de
resistência cultural e espiritual que valoriza o poder transformador da
alteridade, desafiando hierarquias e reconquistando a autonomia dos que se
encontram na margem.
 

A Quimbanda emerge como uma prática onde a
manipulação das forças espirituais e naturais se torna uma arte complexa de
feitiçaria, enraizada em tradições de várias partes do mundo. Ao integrar
elementos do Ocultismo, da magia ibérica e das doutrinas de simpatia e polaridade,
a Quimbanda se revela como um sistema de magia altamente pragmático e
adaptável. Ela abraça a ideia de que a espiritualidade não está desvinculada
das forças telúricas e sublunares, mas sim que opera nelas e através delas,
refletindo uma teologia noturna em que a Lua, as sombras e os espíritos
intermediários (os Exus e Pombagiras) são centrais.
 

A influência de O Livro de São Cipriano e
das tradições ibéricas trouxe à Quimbanda uma herança de magia de combate e
proteção, enquanto as ideias de simpatia e correspondência moldam a maneira
como os rituais e as oferendas são preparados. Na Quimbanda, o praticante
aprende que as energias, aqui entendidas como correntes ódicas, se movem
conforme a vontade do operador, e que o equilíbrio entre as forças masculinas e
femininas – representadas por Exus e Pombagiras – é essencial para a realização
eficaz de um trabalho mágico. Esse equilíbrio não é meramente um conceito de
harmonia, mas uma estrutura de poder, uma ferramenta de domínio espiritual.
 

Assim, a Quimbanda aparece como uma síntese mágica
que não impõe julgamentos morais sobre o uso da feitiçaria. Em vez disso,
enfatiza o valor do conhecimento técnico e da experiência no uso das forças
espirituais, celebrando a capacidade do operador de se comunicar, negociar e
pactuar com entidades espirituais autônomas. Esse pacto, similar à ideia de
contrato no Grimorium Verum e nos tratados de magia europeia, faz da
Quimbanda um sistema em que o operador e o espírito trabalham em um acordo
direto, onde Exu, como intermediário, é fundamental para que qualquer ação
mágica se efetive.
 

Por fim, a Quimbanda se destaca como uma prática
em que a espiritualidade e a feitiçaria são expressões inseparáveis de uma
visão de mundo dinâmica e relacional, que se ajusta às necessidades do
praticante e o capacita a dominar, moldar e transformar sua realidade através
do poder da magia. Com essa amálgama de influências, a Quimbanda reafirma-se
como uma prática onde o invisível e o visível, o espiritual e o material, se
encontram em perfeita simbiose, uma expressão de resistência cultural e
autodomínio espiritual, onde cada operação mágica reafirma o papel do ser
humano na contínua criação e transformação do mundo ao seu redor.