A MAGIA DA QUIMBANDA #2: ONDE NASCEU A QUIMBANDA?

Uma apresentação da Quimbanda a ocultistas italianos pela La Societa ‘dello Zolfo (@la_societa_dello_zolfo) disponível na íntegra no YouTube, em português.

ENTREVISTA VIA ITÁLIA:

 

Por Táta Nganga
Kamuxinzela

@tatakamuxinzela |
@covadecipriano | @quimbandanago
 

 

O que segue são as minhas respostas para uma
entrevista no YouTube via Itália, canal da La Societa ‘dello Zolfo
(@la_societa_dello_zolfo), dia seis de junho de 2024, disponível na íntegra no
canal. O objetivo da entrevista foi apresentar a Quimbanda para ocultistas
italianos (e europeus de modo geral). Como as perguntas são relevantes também para
um público brasileiro, decidi fazer uma versão escrita das respostas,
completando a entrevista para o YouTube com detalhes que não me aprofundei ao
vivo.
 

Vou dividir toda a entrevista em postagens
individuais para cada pergunta no blog. O propósito disso é criar postagens com
textos pequenos ao invés de uma postagem apenas com o texto extenso, com mais
de 40 laudas.

2. Quando a Quimbanda nasceu? É uma derivação da Macumba? 

Para responder a essa
pergunta, primeiro preciso esclarecer: eu trabalho com história, que é
diferente de idealismo histórico. A história trabalha com verificação de
fatos; o idealismo histórico trabalha com suposições, às vezes
idealizadas politicamente, e às vezes fantasiosas, utópicas. Dizer, por
exemplo, que a Quimbanda começa quando o europeu pisou no Brasil,
trata-se de idealismo histórico. Isso é tanto informação que não pode ser
verificada por fontes históricas confiáveis, quanto uma opinião, um achismo,
sobre o que o autor gostaria que tivesse ocorrido. No meu trabalho procuro me
ater as fontes verificáveis na linha do tempo, fundamentalmente se o tema é
sobre a origem de alguma coisa.
 

Como um sistema
mágico-religioso, a Quimbanda nasce entre as décadas de 1940 e 1950, através da
engenhosidade de dois médiuns umbandistas: Lourenço Braga (década de 1940) e
Aluísio Fontenelle (década de 1950). Lourenço Braga era um umbandista
conceituado na época, tendo palestrado sobre a Quimbanda como sistema no Primeiro
Congresso de Umbanda, neste período. É ele quem lança as bases da Lei de
Quimbanda
. Aluísio Fontenelle, uma década depois, dá continuidade ao
trabalho iniciado por Lourenço Braga, sistematizando inicialmente a Quimbanda
como a conhecemos hoje. É Fontenelle que provê, de verdade, a estética
diabólica do culto.
 

Aluísio Fontenelle era da
mesma safra de intelectuais umbandistas a qual pertencia Lourenço Braga, safra
esta que na época empreendia uma salubrização ou embranquecimento da
Umbanda.
Essa história começa assim: antes de haver a separação
entre Umbanda e Quimbanda, o que havia era a Macumba, que trabalhava com muitos
elementos fetichistas africanos, como o sacrifício, possessões ou
incorporações, e o uso de oráculos. Essas práticas fetichistas africanas
ofendiam a população, pelo menos as classes mais altas do Rio de Janeiro, capital
do Brasil na época, sendo a Macumba, portanto, considerada um culto da
população menos privilegiada, em sua maioria negros, criminosos e prostitutas.
Os espíritas kardecistas tiveram a ideia de salubrizar a Macumba, na intenção
de adequá-la as classes mais privilegiadas da sociedade carioca. Para tal,
eliminaram todos os elementos fetichistas africanos e o que sobrou eles
chamaram de Umbanda. No entanto, esses elementos fetichistas crioulos
expurgados da Macumba foram preservados em um outro culto que se formava, a
Quimbanda. É assim que nasce a separação da Umbanda e Quimbanda a partir da
matriz da Macumba, que passava a ser conhecida doravante como Quimbanda apenas.
Eu fiz uma introdução bem rica sobre o tema na Revista Nganga No. 8.
 

Interessante dar ênfase a um processo natural: a
literatura de um culto só nasce muito tempo depois do culto se estabelecer, e
não antes disso. Braga e Fontenelle são os primeiros intelectuais que pensaram
e delinearam a estrutura inicial da Quimbanda como sistema religioso de
magia
. A Lei de Quimbanda apresentada por Braga na década de 1940 com
suas Sete Linhas é aperfeiçoada e modificada por Fontenelle na década de
1950, que inaugura a ideia de reinos na Quimbanda, descrevendo os Exus
associados a dois reinos: o Reino das Encruzilhadas e o Reino do Cemitério. É
seguro dizer que Braga e Fontenelle colocaram no papel àquilo que já
vivenciavam ou, pelo menos conheciam em termos práticos, nos seus dias no
contexto dos terreiros.