A TRANSIÇÃO DA MAGIA CERIMONIAL PARA A QUIMBANDA

A transição da magia cerimonial para Quimbanda exigirá uma reorientação da cosmovisão e um estilo de vida daemônico.

 


Por Táta Nganga Kamuxinzela
 

@tatakamuxinzela | @covadecipriano | @quimbandanago

 

Essa é uma questão que
chega até a mim com frequência: o processo de transição da magia cerimonial moderna
para Quimbanda é fácil e tranquilo? Na grande maioria das vezes não, porque o
magista tem de desconstruir toda a sua cosmovisão. Essa desconstrução é um
processo lento e violento de demolição de crenças, paradigmas e símbolos que
são, em sua maioria, completamente desnecessários na Quimbanda. Por outro lado
a Quimbanda exigirá uma visão de mundo daemônica, um estilo de vida goécia,
àquilo que denominei nos dois volumes do Daemonium como visão
encantada do cosmos
, o exercício do animismo, do fetichismo e do vitalismo.
 

Essa visão de mundo
exigida pela Quimbanda está completamente ausente dos sistemas modernos de
magia cerimonial, baseados no cartesianismo, cientificismo, materialismo e na
psicologisação da magia, tudo isso camuflado por doses de simbolismo místico.
Na visão de cosmos da magia moderna o que nós fazemos na Quimbanda é uma
barbárie. Esse caminho levou a magia moderna a tornar-se àquilo que Papus
denomina como psicurgia, a arte de causar mudança na Natureza pelo poder da
vontade e do psiquismo apenas. Aleister Crowley, o pai da magia moderna, chegou
a afirmar que os demônios da goécia são em verdade partes da mente e, portanto,
derivados dela, assim como suas interpretações iniciais acerca do Sagrado Anjo
Guardião.
 

A Quimbanda, por outro
lado, é o exercício da magia, a arte de causar mudança na Natureza pelo poder
da vontade e por meio da agência de um espírito. Não existe magia sem psicurgia,
mas a magia moderna concentrou-se somente na psicurgia, perdendo sua conexão
com a magia. Na magia moderna uma adaga é um objeto mágico-simbólico; na
Quimbanda a faca é uma arma verdadeiramente mágica: ela mata de verdade, come de
verdade e é usada para diversos fins de proteção e ataque. Na Quimbanda o
Espírito da Faca é reverenciado, oferendado e possui assentamento.
 

Um dos obstáculos mais
difíceis nessa transição da magia cerimonial moderna para Quimbanda ou
tradições cognatas, é o trabalho sobre o Ego: a vaidade e a arrogância. O
objetivo do círculo mágico, primordialmente, é isolar o Ego da consciência
coletiva, material ou sobrenatural. Eu fiz um vídeo no YouTube falando sobre
isso por volta de 2016 ou 2017. É só procurar lá no meu antigo canal o vídeo «O
Círculo Mágico». Quando o Ego é isolado da consciência coletiva ele é
fortificado em sua posição como o gerente de todos os complexos da mente. Esse
trabalho em mentes imaturas exarceba a vaidade e a arrogância. A imagem
tradicional de um mago é um homem grisalho e longas barbas: isso significa que
leva anos até que os símbolos sejam compreendidos e o Ego seja trabalhando ao
ponto de ser aplacado pela experiência de vida e sabedoria acumulada.
 

Muitos que tentam a
transição para a Quimbanda ainda não estão prontos para trabalhar sobre essas
características da personalidade. Naturalmente o Ego tenderá a manter-se
isolado. No entanto, a Quimbanda exige que no processo de desenvolvimento
mediúnico o Ego seja completamente solapado pela presença do Exu, abrindo mão
do gerenciamento dos complexos da mente, quando efetivamente a consciência
torna-se um receptáculo para presença do Exu, como um cálice que se deixa
preencher completamente pela presença do vinho. Esse é o verdadeiro sentido da
palavra «invocação»: o preenchimento total da consciência com uma força
exterior a ela.
 

Desde que me tornei um Táta
de Quimbanda, muitos magistas que me acompanhavam na época de thelema têm me
procurado para saber a possibilidade de se iniciarem na Quimbanda. E embora no
oráculo mostre caminhos abertos para iniciação, eu tenho recusado recebê-los em
nossa família por um único motivo: a minha percepção de que eles não estão
prontos para a transição e será difícil romper a muralha de vaidade e
arrogância construída. Some-se aí, claro, minha impaciência em lidar com essas
dificuldades que eles apresentam.