DOS ORÁCULOS DO KIMBANDA
Por
Táta Nganga Kilumbu
@quimbandamarabo
| @tatakilumbu
Sabemos que dentro de toda
genuína tradição afro-brasileira de inclinação iniciática existe um veículo
oracular, que vai desde a utilização de búzios, moedas, frutos partidos e até
mesmo o próprio transe (a incorporação) da entidade como veículo oracular para uma
comunidade. E não é diferente dentro da Quimbanda Nàgô, que possui três tecnologias
oraculares fundamentais:
I. Kawrifan (o Ẹrin
de Exu).
II. Cabalá de Exu.
III. Espírito manifestado.
O primeiro oráculo é
conhecido popularmente como jogo de confirmação, composto de 04 estruturas
marinhas, os búzios, conhecido por três nomenclaturas dentro da própria banda
de Exu Gererê: ẹrin, kawrifan e jogo de 4 búzios. Esse
oráculo infelizmente foi perdido na maioria das famílias de Quimbanda, no
sentido em que as suas quedas foram resumidas à responder positivo e negativo,
sendo que quando bem fundamentado, com as peças corretas por sinal, mesmo sendo
quatro apenas, irá responder com um leque maior de quedas e seus significados irão
ultrapassar as meras cinco quedas de confirmação com três resultados positivos e
dois resultados negativos.
Por outro lado, temos a
manifestação espiritual das entidades por meio do transe de incorporação, as
quais irão transmitir suas mensagens e orientar a comunidade para seu melhoramento,
seja espiritual ou material. Este meio oracular é o mais buscado pelas pessoas
por ser mais humanizado, pois o consulente poder falar diretamente com o
espírito e ouvir da boca dele os aconselhamentos e direcionamentos. Esse é meio
de comunicação oracular o padrão dos diversos seguimentos de Umbanda, mas
também é uma realidade dentro das famílias de Quimbanda, pelo menos das
vertentes tradicionais mais antigas, as macumbas de raiz.
Por último existem os
oráculos mais complexos, que surgem da utilização dos baralhos, que podem ser as
cartas ciganas, as cartas cipriânicas ou o baralho fofoqueiro
(profano) etc., adaptados à cultura de algumas famílias de Quimbanda. Existem
ainda os oráculos compostos por ossos, por búzios (que por sinal são um tipo osso),
moedas, dados etc., enfim uma gama de elementos que agrupados constituem oráculos,
sejam com uma inclinação mais banto ou yorùbá, ou a fusão de ambas
influencias culturais; e às vezes até com um toque cigano. Todos são válidos.
Dentro da nossa tradição e
família de Quimbanda Nàgô possuímos a Cabalá de Exu, que é um
oráculo formado por um brajá composto pela variação dos Reinos da Quimbanda,
acrescido de sete búzios africanos, quatro búzios brancos (todos abertos, pois
este fundamento de abrir os búzios é de origem nàgó-yorùbá para o
conceito de equilíbrio de quedas e armazenamento de àṣẹ), com dados e
símbolos do povo de Exu em metal, que a princípio formam a estrutura deste
oráculo, mas que também pode – e normalmente o é – ser acrescido de outros elementos
conforme orientação do Exu tutelar. Este oráculo dentro de nossa tradição
sempre foi muito complexo de ensinar para os kimbandas que estão
iniciando na jornada do sacerdócio (grau iniciático de nganga). Por
causa disso uma adaptação foi feita para facilitar o trabalho oracular dos novos
ngangas a partir do fundamento do oráculo da Quimbanda Mussurumin,
que é o Àlagbá de Exu, banda essa onde também sou Mestre de Quimbanda.
O Àlagbá de Exu da Quimbanda
Mussurumin é um oráculo composto por sete búzios inteiros (sem abertura
para equilíbrio de quedas conforme o conceito yorùbá, mas baseados na
cultura banto onde as peças do oráculo são lançadas à revelia do equilíbrio das
quedas) e um brajá direcionador também com os Reinos da Quimbanda. Este oráculo
possui um facilitador, porque é composto por quatro búzios brancos
representando o povo de Exu e três búzios africanos representando a Trindade
Maioral. Com o direcionamento de Exu Marabô, desenvolvemos uma metodologia para
sacerdotes iniciantes para Cabalá de Exu a partir do Àlagbá de Exu
dentro de nossa família, o Domínio de Exu Marabô. Nessa abordagem para
sacerdotes iniciantes utilizamos essa configuração de búzios oriunda do Àlagbá
de Exu, facilitando o entendimento primário dos ngangas até que
estes cheguem ao nível de Mestres (táta-nganga) para receber Cabala de
Exu com onze caurís.
Onde vemos a utilização do
oráculo Cabalá de Exu dentro desta conformidade, i.e. sete búzios, sendo
quatro brancos e três africanos, trata-se de um fundamento exclusivo para
sacerdotes iniciantes de Quimbanda Nàgô do Domínio de Exu Marabô e
Pombagira Maria Padilha. Essa conformação de Cabalá de Exu é um
fundamento de nossa família e quem o possui, ou foi iniciado diretamente por
mim, Táta Kilumbu, ou por um dos Mestres de Quimbanda aprontados em nossa
família. É necessário expressar isso porque hoje vemos inúmeros bandas de
casa valendo-se dessa conformação oracular da Cabalá de Exu sem
terem, de fato, recebido os fundamentos e o àṣẹ de nossa família,
inventando novas interpretações que não têm nada a ver conosco ou com as
instruções transmitidas por Exu Marabô. Nossa família preserva a transmissão do
àṣẹ de oráculo (ou mão de oráculo) na base da tradição oral,
dentro de uma transferência iniciática sacerdotal, evitando a banalização de um
sistema oracular tão sagrado e secreto.
Qualquer material escrito
acerca da utilização de oráculos a partir de nossa família é apenas a ponta
do iceberg, servindo de chamariz para os fundamentos que possuímos e
transmitimos secretamente. Os verdadeiros fundamentos da Cabalá de Exu
são transmitidos e, fundamentalmente, avaliados pelo próprio Táta Nganga
iniciador. Portanto, é necessária essa declaração final:
Existem famílias de Quimbanda
que receberam fundamentos oraculares em nosso templo, e que com divergências de
pontos de vistas, criaram suas próprias linhas interpretativas. Mas o oráculo
sempre existiu com uma linhagem, abordagem e visão iniciática autêntica, com
uma assinatura mágica indelével da Quimbanda Nàgô e de Exu Gererê, muito
diferente da Cabalá com as junções de búzios de quadro e sete. Que
esteja claro que a Cabalá de Exu com quatro búzios brancos e três búzios
africanos trata-se de um oráculo intermediário, criado para servir como um facilitador
e uma variação, sendo um trabalho exclusivo da casa de Exu Marabô.