O FUNDAMENTO, O DESENVOLVIMENTO & O AFOITAMENTO

A Quimbanda Nàgô oferece um Norte através de um rigoroso caminho de disciplina magistica. É preciso se ater ao trabalho que tem de ser feito antes de almejar dar o passo seguinte. Mas infelizmente, no Cosmos existe o espírito do...

 

Por Táta Nganga Kamuxinzela 

@tatakamuxinzela | @covadecipriano | @quimbandanago

 

O termo «fundamento» dentro da Quimbanda possui
muitos significados: i. a morada de poder do Exu, i.e. o assentamento ou
«fundamento de exu»; ii. o conhecimento profundo dos cuidados e da feitiçaria
de Exu, o «fundamento de kimbanda»; iii. o conhecimento, a conversação e
a conexão visceral com Exu; iv. o «ter exu de fato» e através de seu poder
operar taumaturgias verdadeiras; v. o lastro ancestral que conecta o kimbanda
a uma linha preceptória de transmissão espiritual fidedigna; vi. o conhecimento
secreto iniciático que o táta-nganga transmite ao kimbanda iniciado
etc., para listar apenas algumas significações para a palavra «fundamento».
 

Ao passar pela Cerimônia de Iniciação, o Noviço
agora um Adepto, recebe o «fundamento de exu», quer dizer a morada de poder ou
assentamento do Exu. Trata-se da representação física do Exu tutelar, que deve
ser construída das mãos de um táta-nganga, detentor do «fundamento». A partir
deste momento inicia-se uma jornada de desenvolvimento espiritual, onde ao
Adepto será transmitido o «fundamento de kimbanda». Trata-se de um período onde
o Adepto irá estreitar os laços com seu Exu tutelar. Ele deverá direcionar
todas as suas forças para aprofundar sua conexão com o Exu, porque tudo o que
vem pela frente, toda a jornada de iniciação até ele tornar-se um Sacerdote e
posteriormente um Mestre, depende disso. O «ter exu de fato» é o fundamento
mais almejado de um Adepto recém-iniciado, porque dele depende todo o seu poder
de magia; o kimbanda toma emprestado do Exu o seu «nguzo» para
realização do milagre da magia, a taumaturgia. Essa é uma fórmula mágica que
venho dissertando há pelo menos cinco anos: o espírito tutelar é a fonte por
trás do poder do mago. Veja o primeiro volume do Daemonium.
 

Então se trata de um período de «ocultação», «resguardo»,
«introspecção» e aprendizado, porque o objetivo é aprofundar a conexão com Exu,
porque disso depende todo o resto. Mas no Cosmos existe o espírito do
afoitamento…
 

O universo da Quimbanda deslumbra qualquer aspirante
a feiticeiro que tenha um interesse genuíno no caminho da magia, porque sua
estrutura de desenvolvimento magístico, como demonstrei no segundo volume do Daemonium
e nas edições da Revista Nganga, está em harmonia com a busca universal de
todo mago: i. preparar-se através do estudo para a chegada do mestre; ii. o
encontro com o mestre que lhe transmitirá o segredo da magia: o conhecimento e
conversação com o espírito tutelar; iii. de posse do segredo da magia em
conexão com o espírito tutelar, oferecer seus serviços mágicos; iv. tornar-se o
mestre que ensinará outros o segredo da magia. Essas quatro etapas são
universais e estão dentro de muitos sistemas de desenvolvimento magístico,
assim como na Quimbanda.
 

É normal, portanto, vermos um Noviço
recém-batizado na Quimbanda, de posse de uma «firmeza», dizer: «vou acabar com
meus inimigos». É normal vermos recém-iniciados dizerem: «agora vou poder
ajudar fulano ou beltrano». Primeiro é preciso ajudar a si mesmo, resolver os
entraves da vida, superar condutas desviadas e torpes, desonrosas e desleais.
Quando o Adepto se concentra em aprofundar sua conexão com o Exu tutelar com
todas as suas forças, ele começa a «levantar», ou melhor, ser levantado, porque
o «fundamento de kimbanda» traz progresso em todas as áreas da vida e,
fundamentalmente, cura para as fissuras e desajustes na alma. É isso que um
Adepto recém-iniciado busca efetivamente, porque quando um Sacerdote ele for, é
cura e orientação que ele levará ao caminho daqueles que procurarão seu
sacerdócio.
 

Tem um ditado que aprendi com Táta Kilumbu: «para
ser sacerdote tem que ter coroa». Isso é importante de muitas maneiras. A coroa
aqui representa os fundamentos dos três Exus de coroa de um kimbanda,
estes por sua vez conectados diretamente aos Maiorais da Quimbanda. É uma
referência ao archote da sabedoria representado por estes fundamentos na coroa
mediúnica de um Adepto.
 

Assim o «ter coroa» nesse ditado não é uma
referência apenas aos fundamentos (assentamentos) físicos dos três Exus da
coroa mediúnica de um Adepto, mas a firmeza, o esclarecimento, a lucidez, o
equilíbrio representado pela «trindade infernal» na sua coroa, o archote
crepitante do entendimento ou gnose de como caminhar sobre as brasas e usar seu
poder ígneo sem ser consumido por ele, porque a Quimbanda se trata de colocar
as duas mãos dentro do fogo da terra sem se queimar.
 

Para conquistar essa coroa dá trabalho! Por isso o
Adepto se concentra em «ter exu de fato» primeiro. Tem outro ditado na
Quimbanda que fala sobre isso: «quem tem fundamento joga uma garrafa de cachaça
no chão e de dentro dela sai o Diabo». A todo àquele que aspira a carreira
sacerdotal este opúsculo deve ser considerado, porque nós só damos o que
possuímos. Esse é outro ditado da Quimbanda. Nenhum desorientado orienta;
nenhum cego guia; nenhum transtornado provê equilíbrio. Antes de teu Exu ajudar
a alguém ter uma casa, ele primeiro precisa ajudar você a ter a sua casa. Ele
precisa primeiro ter a casa dele, o seu reinado.
 

É por isso que o Adepto inicia com o fundamento de
seu Exu e ganha conhecimento secreto para estreitar as relações com ele e
aprofundar o pacto que se estabeleceu na iniciação.