O TRONCO TRADICIONAL DE QUIMBANDA

A Quimbanda tem um tronco fundante e dele derivou as vertentes tradicionais de Quimbanda.

 


Por Táta Nganga Kamuxinzela

@tatakamuxinzela | @covadecipriano | @quimbandanago 

 

Por esse termo, tronco tradicional de Quimbanda, me
refiro a sistematização, organização e estruturação inicial da Quimbanda como
tradição. Essa organização começou com Lourenço Braga (década de 1940) e
Aluízio Fontenelle (década de 1950). Esse
embrião
da Quimbanda como tradição anunciado por esses dois médiuns foi a centelha que
deu nascimento a inúmeras famílias de Quimbanda e a própria estética do culto.
A Quimbanda como operamos hoje, suas cores, símbolos, iconografia diabólica e
magica matter, quer dizer, os elementos
magísticos utilizados no culto, foram delineados inicialmente por estes dois
autores.
 

Este tronco tradicional
de Quimbanda inaugura as Sete Linhas clássicas de Quimbanda: Malê, Nàgô,
Mussurumim, Almas, Caveiras, Caboclos kimbandas e Mista. Com o desenvolvimento
da estrutura iniciática do culto, dessas Sete Linhas clássicas nascem tanto à
ideia de
vertentes quanto à ideia
de
reinos. Assim começa a se
estruturar a Quimbanda, separada por sistematizações distintas (as vertentes) e
organizada em agrupamentos de espíritos distribuídos por zonas de poder (os
reinos).
 

Efetivamente, apenas
três linhas de trabalho, Malê, Nàgô e Mussurumim, tornaram-se vertentes
distintas a partir da
primeira onda
de manifestação das vertentes (1950). As outras quatro linhas permaneceram
assim, linhas de trabalho que se apresentavam dentro das vertentes, até a
segunda onda de manifestação
(1970), quando nascem as vertentes derivadas dos Candomblés baianos e do
Batuque gaúcho, e também algumas linhas de trabalho que ganharam vida, como a
Quimbanda das Almas, Almas & Angola, Angola, Kiumbus etc.
 

Como elaborei no livro Ganga: a Quimbanda no Renascer da Magia,
a tradição literária de um culto, sistema ou religião não ocorre nos seus
primórdios, mas no curso de seu desenvolvimento. Os primeiros autores
umbandistas colocavam no papel aquilo que eles viam e viviam no culto. E a
partir da troca e confluência de elaborações sobre o sistema, ele foi se
organizando e se estabelecendo. Assim é com qualquer culto religioso e não foi
diferente com a Umbanda e a Quimbanda. O mito inspira e alimenta o rito; o
rito, por sua vez, alimenta e enriquece o mito. Na medida em que os mitologemas
centrais do mito se desenvolvem e se multiplicam, o rito é reformulado para
evoluir junto com o mito.
 

A Quimbanda nasce como
sistema iniciatório em
resposta
ou é o
efeito colateral da busca que a Umbanda empreendia
por validação e aprovação social. É dentro deste contexto estrito que nasce a
ideia de Quimbanda como a entendemos e a realizamos hoje: um culto de
feitiçaria brasileira que aglutina mistérios e arcanos secretos cujas raízes
vêm da África e da Europa. Esses mistérios e arcanos secretos são transmitidos
de mestre a discípulo dentro de uma relação iniciática e hierárquica, em uma
cadeia contínua de transmissões que se renovam a cada geração. Como veremos no
terceiro volume do
Daemonium,
essas são características indeléveis da
tradição
esotérica ocidental
ou esoterismo ocidental,
e que conectam a Quimbanda diretamente ao
esoterismo
ocidental
, mais especificamente dentro do contexto do Ocultismo moderno.
 

Veja
o texto
A Quimbanda no
Esoterismo Ocidental
.
 

A Quimbanda como
conhecemos e realizamos hoje é um sistema que vem se desenvolvendo desde 1950
após os esforços de Lourenço Braga e Aluízio Fontenelle. E é interessante notar
que Lourenço Braga em 1942 disse que na década de 2020, a que hoje vivemos, a
Quimbanda iria passar por uma profunda modificação. E não é isso que estamos
vendo, uma eclosão de núcleos, grupos e famílias de Quimbanda, uns legítimos e
outros não, a partir de 2020?
 

Assim nós temos um tronco tradicional de Quimbanda que pode
ser tanto identificado quanto rastreado, embora não completamente, através da
tradição literária da Umbanda e Quimbanda. A tradição literária começa sendo
alimentada pela práxis do culto, e em seguida ela renova e revigora a própria
práxis na medida em que o culto se desenvolve, como falei acima.
 

Desse tronco tradicional de Quimbanda nasceram
inicialmente três sistemas distintos, três vertentes com fundamentações e
sistematizações de culto diferentes: Malê, Mussurumim e Nàgô. E dessas
vertentes muitas outras nasceram como afluentes de um rio que se espalham sobre
a vasta terra. A vertente que mais influenciou as casas de Quimbanda em todo
território brasileiro foi a Quimbanda Nàgô. Muitas casas operam com Quimbanda
Nàgô e nem sabem disso.
 

Estas três vertentes que
nasceram do
tronco tradicional
de Quimbanda têm fundamentações completamente distintas. Táta Nganga Kilumbu wa
Exu Marabô, Mestre de Quimbanda nessas três vertentes, diz:
Quimbanda não é tudo igual. Por terem
fundamentações bem distintas em diversos aspectos do culto, essas vertentes
podem ser classificadas como ctoniana (Malê), telúrica (Nàgô) e aérea
(Mussurumim). Ao entendedor, essa classificação basta para compreender a
atuação energética de cada banda, assim como a manifestação dos Exus e Pombagiras
nelas.
 

O aspecto mais
importante a se compreender sobre as vertentes nascidas do
tronco tradicional de Quimbanda é este:
embora exista um alto grau de diabolismo
simbólico
na Quimbanda, ela não nega a existência de uma fonte criadora do Cosmos, tão
pouco a substitui por Satanás. Essa substituição só ocorreu no âmbito da
moderna Quimbanda Luciferiana, que não nasceu deste
tronco
tradicional
, mas dos núcleos satanistas brasileiros, o que dá
a Quimbanda Luciferiana um tom completamente distinto das vertentes
tradicionais.
 

Nas vertentes
tradicionais os Maiorais da Quimbanda são forças primordiais da criação que
tanto auxiliarem o desenvolvimento do Cosmos quanto o desenvolvimento da
consciência humana. Por estarem mais próximos do ambiente astral do reino da
geração, eles são reverenciados como deidades regentes do culto e do reino da
geração, por isso se diz que Maioral é o Deus da Quimbanda. Em nenhum momento a
fonte criadora do Cosmos, Nzambi, Olódùmarè, Alá ou Deus, dê o nome que quiser,
é negada ou mesmo negligenciada; ela apenas não é reverenciada no contexto do
culto.
 

Quando falamos,
portanto, acerca da
tradição
da Quimbanda, nos referimos tecnicamente às famílias, casas e templos de
Quimbanda que nasceram como ramificações do
tronco
tradicional
da Quimbanda. A Quimbanda Matriz, que no presente
está se materializando como a genuína
vertente
dos Caveiras pela primeira vez desde o gênese do culto, é um exemplo de
ramificação fidedigna.
 

A Quimbanda
Luciferiana, por outro lado, está completamente a parte deste
tronco tradicional da Quimbanda. Ela é
produto direto do satanismo brasileiro e nasceu dentro dos núcleos de satanismo
no Brasil. Para a Quimbanda Luciferiana este
tronco
tradicional
é designado Quimbanda
Comum
e não passa, como vem passando há muito tempo, de
mais um truque enganador do Falso Deus, termo pelo qual os luciferianos se
referem a ideia de Deus, Criador etc. A estrutura cosmogônica das vertentes
derivadas do
tronco tradicional,
seus símbolos e a própria ideia de Lúcifer, para a Quimbanda Luciferiana não
passa de um truque engendrado pelo Falso Deus, mas que no fim acabou
beneficiando eles, os
verdadeiros adeptos
da Quimbanda, como aponta a literatura do culto.
 

A influência da
Quimbanda Nàgô é tão abrangente que a maioria das casas e templos que Quimbanda
Luciferiana operam com fundamentos extraídos da vertente Nàgô, então dirigidos
a dar expressão ao imaginário satânico moderno do qual tratamos no texto sobre o
satanismo na Quimbanda. É por isso que se diz que a Quimbanda Luciferiana
nasceu da Quimbanda Nàgô.