QUIMBANDA, ASTROLOGIA, MAGIA CERIMONIAL & GOÉCIA
Por Táta Nganga Kamuxinzela
@tatakamuxinzela | @covadecipriano | @quimbandanago
Poucos meses atrás eu
escrevi uma postagem, Quimbanda & Astrologia,
onde coloquei ênfase de que a Quimbanda não precisa de astrologia. Gostaria de
tecer mais algumas considerações para um entendimento geral.
No livro Saravá Exu N.A. Molina diz que tentou ensinar de tudo um pouco sobre o Agente Mágico Universal, suas
cores e locais certos onde devem ser colocados seus despachos.
Este livro não cita a Quimbanda, mas na sua primeira página vem o Brasão
Imperial de Maioral. O Agente Mágico Universal é uma referência ao corpo de Maioral, o ambiente mágico onde
a magia se realiza, a luz astral,
que comporta uma ampla gama de correntes (éteres) de força, nomeadas correntes astrais. Na magia cerimonial o
mago manipula um conjunto de símbolos na intenção de acessar e utilizar a
potência dessas correntes. A astrologia é fundamental aos magos cerimoniais
para que eles aprendam como utilizar o movimento dos astros para manipular
essas correntes de força ao seu favor. A magia cerimonial projetou um conjunto
de símbolos capaz de manipular tanto os éteres superiores acima do orbe da Lua
quanto os éteres telúricos e ctônicos no ambiente da luz astral.
A Quimbanda se
especializou no acesso e na manipulação de éteres ctônicos, telúricos e aéreos
no ambiente astral sublunar. A miríade de Exus e Pombagiras, também agentes mágicos universais, têm o poder de
acessar e manipular estes éteres através das tecnologias mágicas que a
Quimbanda dispõe: as encruzilhadas, os cruzeiros, os pontos de força como o
cemitério, a praia e as matas etc., as cores, os símbolos, o sacrifício animal,
as oferendas, o fumo, o enxofre, a pólvora, o álcool e os pontos riscados,
todos são agentes mágicos universais
através dos quais a luz astral
é movimentada a partir do intento magístico na manipulação destes éteres.
Toda a tecnologia
mágica da Quimbanda explora e manipula os éteres sublunares, dispensando a
intervenção astrológica, quer dizer, a movimentação dos astros e sua
influência, assim como a magia cerimonial com seus símbolos próprios para
manipulação dos éteres acima do orbe lunar.
Uma conexão profunda se
estabeleceu na tradição de Quimbanda desde a década de 1950 com a demonologia
europeia e as técnicas derivadas dos grimórios para conexão e coerção dos
demônios, o que ficou popularmente conhecido como nigromancia,
necromancia, maleficium, goécia,
magia negra, magia demoníaca ou baixa magia. Na magia cerimonial,
a classe de espíritos que lidam com os éteres ctônico, telúrico e aéreo
sublunares são as criaturas espirituais destes éteres, classificadas
genericamente como demônios na cosmovisão cristianizada do Ocidente. Como esses
éteres são a área de atuação dos Exus e Pombagiras (mortos deificados) da
Quimbanda, foi possível conectá-los a atuação de demônios. Assim foi
estabelecida uma ponte através da qual foi possível convergir Exus e demônios,
o que ficou popularmente conhecido como baixo espiritismo
no Brasil, porque desde o fim do Séc. XVIII o espiritismo influenciou
profundamente o sistema, a estrutura e as práticas mágicas das tradições
afro-brasileiras.
Assim a Quimbanda nasce
como uma tradição de goécia brasileira,
porque da rica herança ancestral ameríndia, africana e europeia, a Quimbanda desenvolveu
métodos próprios para estabelecer a comunicação com demônios, colocando-os em
conexão com os Exus. Tendo estabelecido métodos próprios, a Quimbanda dispensa os
métodos tradicionais da magia cerimonial ou o uso da astrologia para fins
práticos de magia e feitiçaria.
A magia demoníaca que
estabelece ponte com a Quimbanda desde 1950, primeiro através do Grimorium Verum e sua estrutura
demonológica, é um tipo de prática ritual cujo objetivo é convocar e coagir um
demônio ou mais sob a autoridade mágica do mago, que invoca a força de poderes
superiores, i.e. a Trindade Infernal,
para obter controle sobre o demônio. Nos textos mágicos da época, o objetivo da
magia demoníaca era causar doenças, separações, perdas, aflições, dominação
emocional e sexual. Hierarquias superiores demoníacas comandando forças infernais
para as satisfações humanas.
O Grimorium Verum foi considerado pelos
ocultistas tradicionais do Séc. XVIII e XIX como o Livro do
Diabo. MacGregor Mathers em sua introdução a Chave de Salomão diz que o Grimorium Verum trata-se de um livro carregado de magia diabólica […] e não posso me esquivar de
advertir o estudante prático contra ele. A.E. Waite o chamou
de verdadeiro e legítimo manual indisfarçado de magia
negra, quer dizer, goécia. Jake Straton-Kent no ensaio Old Wizard (em Conjure
Codex, no. 1, 2011) diz que o Grimorium Verum foi omitido da lista
de estudos da Astrum Argentum
porque corrompia os seguidores de Aleister Crowley.
O Grimorium Verum é um grimório moderno,
ligeiramente distinto de seus predecessores medievais, porque ele reelabora as
técnicas e as chaves de acesso que estiveram fora dos grimórios salomônicos: os
pactos com os espíritos, a herbologia diabólica (encontrada nos cabinetes das
bruxas e que inspiraram os templos de magia cerimonial), as oferendas e os
sacrifícios destinados aos espíritos infernais. Como eu discuti no segundo
volume do Daemonium, essa abordagem
do Grimorium Verum é muito próxima
do tipo de feitiçaria da Quimbanda, e eu acredito que essa é uma ponte que
permitiu inserir a diabologia e a demonologia deste grimório na Quimbanda.
A Quimbanda desenvolveu
um elaborado fundamento de trabalho com os demônios do Grimorium Verum e, em tempos mais
recentes, do Lemegeton
também. Esses fundamentos têm elementos derivados da magia demoníaca, mas a
execução deles é muito distinta da metalinguagem que esses grimórios
apresentam.
Quimbanda é
goécia brasileira!
Eu tracei uma profunda
conexão entre a demonologia europeia e a Quimbanda em no segundo volume do Daemonium e no Ganga:
a Quimbanda no Renascer da Magia.