UM FUNDAMENTO DA MAGIA

Muitos chegam a Quimbanda deslumbrados com o processo iniciático, ávidos e ansiosos parta tornarem-se Sacerdotes e Mestres. Este ensaio servirá para avisar àqueles deslumbrados que a ansiedade é um espírito que atrapalha o desenvolvimento espiritual e magístico.

Há trinta anos eu estudo e pratico magia. Tem sido uma
jornada incrível, porque quando mais se amplia a área do conhecimento, mais
dúvidas também aparecem. É um aprendizado que não termina! Nesses trinta anos
de estudo e prática nas áreas do hermetismo, magia cerimonial, tantra e magia
sexual, radiônica e psicotrônica, macumba etc., uma de minhas buscas
fundamentais sempre foi querer compreender de verdade como a magia funciona;
nesse processo descobri coisas incríveis, mas também assombrosas. Por que os pontos
de força são melhores para práticas mágicas do que os templos erigidos nas
cidades? Porque a corrente elétrica interfere na manipulação das correntes de
força ódica na luz astral, e eu aposto que você não sabia disso. Muita gente
não sabe mesmo! É por isso que magistas em geral preferem erigir templos fora
de suas casas sem cabeamento elétrico, iluminados pelo fogo apenas. Magia se
realiza no frio, no escuro e no silêncio, diz Exu Táta Caveira. Buscando
compreender como a magia funciona, descobri muitas coisas sobre como a magia
não funciona.
 

Os impedimentos para que a magia não funcione são muitos,
internos e externos. Um deles, que gera uma torrente de força que interfere
abruptamente na magia é a ansiedade. Eu aprendi isso assim que fui iniciado na Quimbanda.
Na ocasião eu enfrentava muitas adversidades e ansiava por muita vingança,
possuído pelo espírito da indignação. Exu Táta Caveira disse assim para mim: tem
duas maneiras de resolver isso; você senta e deixa eu trabalhar ou eu sento e
deixo você trabalhar. Ali eu compreendi que a paciência, a calma e o silêncio
são combustíveis fundamentais para que a magia se prove taumatúrgica,
principalmente no âmbito da Quimbanda. Dos doze comportamentos fundamentais de
um mago que formulei para realização da magia, a paciência é o primeiro, porque
hoje vivemos em um mundo líquido onde as relações e a própria cultura são
frágeis, fugazes e imediatistas.
 

Por causa disso, a liquidez de nossa cultura pós-moderna,
muitos são os kimbandas ansiosos. Acompanhando o desenvolvimento de vários
iniciados, vejo que a ansiedade é uma das causas fundamentais pelas quais eles
enfrentam dificuldades diversas, ao ponto de desistirem de tudo às vezes. Mas a
vida de um feiticeiro da Quimbanda não é um filme do Herry Potter. As mudanças
não ocorrem do dia para noite, como nada na Natureza ocorre, e a relação que se
estabelece com Exu não é tipo fast food de micro-ondas: apertei o botão e
pronto! Paciência, comedimento, parcimônia, dedicação, perseverança,
disciplina, comprometimento, propósito e resiliência são virtudes requeridas
para se estabelecer uma comunicação profunda com Exu e o Solve et Coagula da
Quimbanda, a metábole (dissolução e coagulação).
 

Na jornada de iniciação na Quimbanda leva tempo para
descobrir que magia de contágio é mais eficiente que envultamentos; leva tempo
para descobrir que envultamentos são mais eficientes se associados à magia
simpática de modo geral. Leva tempo para descobrir que partilhamos o mesmo
espaço, o Mundo, com deidades diversas e espíritos dos mortos e estes, por sua
vez, influenciam na realização da magia. Leva tempo para descobrir que pimentão
drena energia vital e padê de creolina promove uma limpeza profunda na alma.
Aprender e dominar a Arte da Magia leva tempo e é preciso muita paciência para
vencer os ordálios que aparecem nessa jornada. É por isso que a imagem
tradicional de um mago é um velho barbado, porque ele buscou por toda a sua
vida adquirir a maestria na Arte da Magia. Só que mundo de hoje, infelizmente,
qualquer fedelho da magia do caos se sente um mago, quando em verdade não passa
de um rebelde sem causa, um punheteiro ou uma siririqueira profissional.
 

Então as pessoas vêm até a Quimbanda com essa ansiedade
imediatista para resolução de todos os problemas da vida pela magia. O sujeito
é tão ansioso que ele diz assim: como faço para ser iniciado na sua família e
em quanto tempo viro mestre
? Imagina, o indivíduo não tem um pingo de educação
para se apresentar adequadamente – e faço ideia dos pais que o educaram – e já
quer saber de ser um Mestre de Quimbanda.
 

A Quimbanda, especificamente falando de Nàgô, promove
progresso na vida por meio de uma ampla fundamentação de culto. Cada
fundamentação aprofunda as conexões ancestrais, que levam tempo para
amadurecer. O Adepto não recebe todas as fundamentações de uma vez só. No curso
de sua iniciação, quer dizer, a jornada do Noviço até o Mestre, ele as recebe
gradativamente, na medida em que merece. E ele é provado nisso! Dessa forma, na
intenção de fortalecer e amadurecer as conexões ancestrais, primeiro o kimbanda
se concentra em aprender a se comunicar com Exu diligentemente, porque dessa
comunicação dependerá todo o resto. As oferendas corretas, os sacrifícios
adequados, a realização de trabalhos e feitiços diversos, tudo depende da
comunicação clara e objetiva com Exu. Por esse motivo, todos que se iniciam
recebem apenas o fundamento do Exu, independente das outras entidades que se
tenha identificado (a Pombagira tutelar e o Exu de fundos).
 

Em detrimento disso muitos perguntam se não ocorrerá
desequilíbrio energético trabalhando apenas com Exu. Se o sujeito está no
início de sua jornada: i. esqueça essa balela porque a Quimbanda não é Umbanda
ou Candomblé, esvazie a xícara; ii. como vamos ver abaixo, a fórmula mágica da
Quimbanda é àquela do espírito tutelar, você deve se concentrar em uma linha de
trabalho para começar, e só depois de adquirir certa proficiência, se aventurar
nas outras linhas de trabalho.
 

A ansiedade pode levar o kimbanda a queimar etapas na
tentativa desesperada de resolver situações que demandam atenção cuidadosa e
paciência resiliente, porque nenhuma árvore dá frutos antes de ser germinada
adequadamente e amadurecer ao ponto de produzi-los. Na medida em que a ancestralidade
se desenvolve, naturalmente inúmeras áreas da vida começam a ser energizadas e
organizadas, promovendo progresso integral, porque muita gente desconhece o
fato de que a maioria de nossos problemas têm raízes na nossa ancestralidade.
Uma vez que a ancestralidade é curada, naturalmente inúmeros nós se desatam,
inúmeros obstáculos se dissolvem.
 

Antes de magiar com Exu, se certifique de ter uma
comunicação clara e precisa com ele, porque sem essa comunicação nenhum feitiço
vai funcionar e você vai se frustrar. Se a sua ansiedade te levar a pular
etapas, lembre-se do caso que contei do Exu Táta Caveira, porque é isso que lhe
acontecerá: Exu sentará para ver você trabalhar. E se tratando de Quimbanda,
não faz muito sentido isso. Perguntas como essas sempre chegam acerca da
iniciação na Quimbanda:
 

Já que eu trabalho com Lúcifer em minhas invocações, meu
Exu será o Exu Lúcifer quando eu me iniciar né?

Me iniciando na Quimbanda, já poderei levar meu três
assentamentos com seus respectivos demônios para eu trabalhar com suas legiões
né?
 

O termo parcimônia pode ser traduzido como menos é mais.
A fórmula mágica do espírito tutelar funciona assim: através da conexão com UM
espírito, obtém-se a comunicação com outros espíritos, e o domínio sobre eles.
Foi assim com Salomão que através do demônio Ornias obteve acesso aos outros
demônios; é assim na Magia Sagrada de Abramelim onde através do Sagrado Anjo
Guardião obtém-se domínio sobre uma miríade de demônios; é assim na goécia
tradicional do 
Lemegeton,
seguindo o exemplo do próprio Salomão citado acima; é assim na feitiçaria dos 
Papiros
Mágicos Gregos
 onde através do paredros, o daimon assistente, obtém-se poderes mágicos e a
possibilidade de deificação da alma; é assim na teurgia grega onde através do daimon
pessoal se realiza proezas taumatúrgicas; é assim na cultura banto onde através
do táta (ancestral) se obtém comunicação com os espíritos do cosmos, os mahambas;
é assim na cultura yorùbá onde através do Orí, o òrìṣà pessoal, se obtém acesso
aos outros òrìṣà, ìrúnmolè, égún etc. Em resumo, você obtém conhecimento e
conversação com UM espírito, se aprofunda nisso de verdade, antes de almejar
comandar uma legião de espíritos.

 

A Quimbanda como qualquer culto necromântico-ancestral,
requer tempo e maturação, e só o cultivo das virtudes (ou espíritos/daimones)
da paciência e da resiliência (esta sendo a condição sine qua nom na superação
dos obstáculos e da brutalidade da Natureza segundo a Quimbanda), são capazes
de aplacar a malfazeja ansiedade.
 

Eu respondi em uma caixinha
de perguntas no @tatakamuxinzela
 que na feitiçaria a ansiedade é um espírito ruim.
Os yorùbás chamam esta classe de espíritos de ajoguns, que trazem tormentas e
aflições a vida dos homens, afastando-os da piedade religiosa e da vida
equilibrada. Na cultura da macumba de modo geral espíritos ruins são kiumbas ou
égún. No hermetismo tradicional, a ansiedade (propeteia) está dentre os doze
piores maus espíritos cujo objetivo é açoitar (timorus) a alma dos homens,
causando sofrimento e os impedindo acesso ao nous. Sem acesso ao nous o homem
está impossibilitado de obter conhecimento verdadeiro (gnōsis), de possuir uma
vida de piedade genuína.
 

Em todos os cultos e culturas ancestrais, a ansiedade é
um espírito ruim que impele o homem a causar danos a si mesmo e aos outros,
através de seu comportamento. O bom comportamento é uma vida de piedade
religiosa e equilíbrio, que proporciona saúde, bem estar e progresso. Se as
tuas ações causam danos para si mesmo, para sua espiritualidade e
ancestralidade, para a comunidade em que está inserido, muito provavelmente
você está obsediado pelo espírito da ansiedade.
 

Sua ansiedade pode ser um dos maiores obstáculos a
realização taumatúrgica da magia que você pratica. E quando iniciado na
Quimbanda você recebe APENAS o fundamento de seu Exu tutelar e as instruções
para cultuá-lo, sem nenhum demônio atrelado a ele, porque isso é para Mestres.
Ao pleitear admissão a Quimbanda, certifique-se de abandonar seus delírios de
grandeza, porque se não o fizer, a Faca de Exu vai decepar tais delírios a
força. Vai doer…

 

Táta Nganga Kamuxinzela

 

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